O Estado de S. Paulo
O ambiente político poderá afetar a
trajetória da dívida e ameaçar o teto de gastos
Em meio à alta da inflação e dos juros,
além do risco de apagão ou de alguma medida de racionamento de energia elétrica
em razão da piora da crise hídrica, os índices de confiança devem engatar uma
nova tendência de queda nos próximos meses.
E não faz tanto tempo assim que esses
índices se recuperaram do tombo causado pela forte contração da economia
durante o auge da pandemia de covid. A deterioração no sentimento agora deve
atingir particularmente os consumidores – afetados pela visível perda do poder
de compra nos últimos meses – e os empresários do setor industrial.
Já os do setor de serviços ainda se mostram
otimistas com o futuro próximo em meio ao relaxamento das medidas de
distanciamento social, diante da queda no número de casos e de mortes por covid
e também do avanço da vacinação. Mas poderá a confiança no setor de serviços
resistir a tantas incertezas no cenário macroeconômico e político do Brasil?
Em agosto, o Índice de Confiança do
Consumidor (ICC), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), caiu 0,4 ponto
ante julho, interrompendo quatro meses de alta. O da Indústria (ICI) recuou 1,4
ponto, também após uma sequência de quatro altas seguidas.
Enquanto a confiança do comércio registrou leve queda de 0,1 ponto, a do setor de serviços avançou 1,3 ponto, para 99,3 pontos, seu maior nível desde setembro de 2013.
É difícil prever até onde poderá recuar a
confiança de consumidores e empresários, mas uma tempestade perfeita vem se
formando com rapidez e turva o horizonte.
Do ponto de vista macroeconômico, vários
fatores poderão aumentar o pessimismo dos brasileiros. Primeiro, o desemprego
continua elevado. Depois, a inflação segue surpreendendo para cima. Com isso, o
Banco Central já sinalizou que o aperto monetário poderá ser mais duro do que o
inicialmente previsto.
E, para agravar o quadro, a crise hídrica
ameaça o desempenho do PIB neste ano e em 2022, não somente pelos reajustes
salgados na conta de luz que o governo vem sendo forçado a autorizar, mas
também por possíveis medidas para conter o consumo de energia, voluntária ou
compulsoriamente.
Conforme a mais recente pesquisa Focus, do
BC, os analistas projetam alta de 7,27% na inflação deste ano e de 3,95% em
2022, e a estimativa do PIB aponta para crescimento de 5,22% neste ano e de
2,0% em 2022. Sem falar que a expectativa é de que a Selic acabe o ano em 7,5%,
mas há apostas de juros fechando o ano em 8% ou 8,5%.
Do ponto de vista político, os atritos do
presidente Jair Bolsonaro com o Poder Judiciário reacenderam temores de ruptura
institucional. Há também os ruídos causados pela antecipação do ciclo eleitoral.
Aliás, à medida que a popularidade do presidente Bolsonaro segue caindo,
ameaçando sua reeleição no pleito presidencial do ano que vem, os investidores
temem uma guinada populista do governo que resulte em aumento de gastos
públicos.
Ou seja, o ambiente político cada vez mais
adverso para o governo poderá prejudicar também o cenário econômico, piorando a
trajetória da dívida pública e ameaçando a manutenção do teto de gastos, a
principal âncora fiscal do Brasil. Nesse contexto, o quanto quedas seguidas dos
índices de confiança de consumidores e empresários nos próximos meses pode
azedar ainda mais o humor do mercado?
“O pano de fundo econômico para os próximos
meses tem piorado e, com isso, os índices de confiança podem entrar numa
tendência de queda”, diz o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks. “O
interessante é que isso acontece depois de uma retomada bem vigorosa da
atividade econômica e do avanço da vacinação.” Para Weeks, os índices de
confiança medem a temperatura da economia de forma mais rápida do que outros
indicadores.
“Em termos prospectivos, sou mais cético em
usar esses dados para antecipar o que vai acontecer”, ressalta. “Esses índices
ajudam a entender de maneira rápida o que está acontecendo hoje com a economia,
mas dizem pouco sobre o que vai acontecer lá para frente.”
Ou seja, índice de confiança serve mais
como indicador coincidente do que antecedente da economia. Mas, se esse
diagnóstico sobre o presente não para de piorar, como esperar uma melhora no
futuro?
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