Correio Braziliense
A transformação do 7 de
Setembro num Rubicão pode não ter sido uma boa ideia por parte de
Bolsonaro, simplesmente porque as legiões não pretendem acompanhá-lo
Em 8 de março do ano passado, a caminho de
Washington, onde se encontraria com o então presidente Donald Trump, o
presidente Jair Bolsonaro fez uma escala em Roraima e foi recepcionado por 400
apoiadores, ocasião em que anunciou a convocação de seus partidários para uma
grande manifestação em 15 de março. Objetivo: pressionar o Congresso e o
Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo, e o político que
tem medo da rua não serve para ser político”, disse. Na verdade, nada era
espontâneo, tudo estava sendo convocado pelas redes sociais, por um exército de
robôs comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro, o seu filho 02, que exerce o
mesmo papel até hoje.
Pretendia pressionar o Congresso a votar seus projetos de regulamentação da execução de emendas parlamentares e politizar a pandemia da covid-19 e o fracasso da sua política econômica, que havia resultado num crescimento de apenas 1,1% do PIB em 2019. Uma retrospectiva do que veio depois mostra que deu tudo errado. A pandemia não era uma “gripezinha”, já se aproxima de 600 mil mortos e ainda nos ronda; a pressão sobre o Congresso fracassou, resultou num acordo com o Centrão, no qual boa parte dos investimentos do Orçamento da União ficou sob controle do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o homem que tem na gaveta os pedidos de impeachment do presidente da República.
Mesmo assim, Bolsonaro insiste na
estratégia fracassada. Ontem, chegou a Uberlândia montado num cavalo; depois,
participou de uma motociata pelas ruas de cidade. “Vocês que devem dar o norte
para todos nós que estamos em Brasília. E esse norte será dado com muito mais
ênfase, com muito mais força no próximo dia 7”, disse o presidente da
República, para quem os protestos do Dia da Independência, na semana que vem,
serão um “momento ímpar”, no qual pretende dar “um recado para o Brasil e para
o mundo, dizendo para onde este país irá”. O que será?
Cercado por apoiadores, com carros de som
tocando jingles de campanha de 2018 (um crime eleitoral, que já custou os
mandatos de muitos vereadores e prefeitos), disse que chegou a hora de “nos
tornarmos independentes para valer”. Arrematou com a velha cantilena populista,
que incendeia as manifestações, mas ignora o fato de que temos instituições
políticas consolidadas e fortes, que atravessaram décadas e sobreviveram aos
seus algozes eventuais: “Não aceitamos que uma ou outra pessoa em Brasília
queira impor a sua vontade. A vontade que vale é a vontade de todos vocês”,
afirmou. Obviamente, é uma alusão aos ministros Alexandre de Moraes e Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Desmobilização
Após terminar o discurso em Uberlândia, seus apoiadores gritavam “eu autorizo”.
Esse é o título de um abaixo-assinado que circula nas redes sociais,
autorizando-o a fechar o Supremo e dar um golpe de Estado. Bolsonaro tem uma
interpretação própria do artigo 142 da Constituição, na qual a atribuição de
“comandante supremo das Forças Armadas” lhe daria o papel de suposto “Poder
Moderador”. A ida a Uberlândia não foi por acaso: o Triângulo Mineiro é um
importante centro de distribuição de mercadorias e grande mercado de carne
bovina, para os quais convergem caminhoneiros de todas as regiões do país. A
agenda de Uberlândia teve por objetivo convocar apoiadores para a manifestação
que pretende realizar em Brasília no 7 de Setembro, que, desde ontem, dá sinais
de desmobilização, segundo Polícia Rodoviária Federal (PRF), que monitora as
estradas do país.
Não será surpresa outra incursão semelhante
em São Paulo, onde enfrenta dois adversários figadais: o governador João Do-
ria (PSDB) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em Brasília, o
Congresso e o Supremo reagiram à mobilização, obrigando o presidente da
República a reduzir a virulência de seu discurso. Em São Paulo, a tarefa coube
aos agentes econômicos, principalmente à Fiesp, cujo prédio é um dos símbolos
da Avenida Paulista, ao lado do Museu de Arte São Paulo (Masp), com seu
espetacular vão central aberto ao público.
A transformação do 7 de Setembro num
Rubicão pode não ter sido uma boa ideia por parte de Bolsonaro, simplesmente
porque as legiões não pretendem acompanhá-lo nessa travessia, somente a
extrema-direita, cujos líderes estão sendo investigados pela Polícia Federal no
inquérito das “fake news”. Um deles, o ex- deputado Roberto Jefferson,
presidente do PTB, teve sua prisão preventiva prorrogada. Quando fala em defesa
da liberdade, Bolsonaro se refere exatamente a esses partidários que apostaram
no golpe de Estado e, agora, estão enrolados com a Justiça.
A reação à transformação das comemorações
do 7 de Setembro numa espécie de insurreição popular de direita foi muito forte
não só nos meios políticos e econômicos, mas também nas Forças Armadas. O
recado de que não tem apoio militar para dar um golpe de Estado chega por todos
os canais, com o comentário de que as instituições são fortes e estão
preparadas para garantir o Estado democrático de direito. Por isso, Bolsonaro
faz um esforço danado para manter o ímpeto da mobilização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário