Valor Econômico
Bolsonaro está sob pressão e cada vez mais
isolado
Desta vez, não haverá anistia. É a mensagem
presente nas entrelinhas daqueles que se dirigem à ala mais radical do
bolsonarismo às vésperas dos atos marcados para o 7 de setembro.
Uma mensagem direta e objetiva. Necessária.
Até porque tudo indica que os atos em gestação não serão estritamente em defesa
do governo federal e do presidente Jair Bolsonaro. Eles tendem a servir de
cenário para mais ataques às instituições, agressões aos Poderes Legislativo e
Judiciário e renovadas ameaças ao estado democrático de direito.
Em tempo: se neste ano Bolsonaro já
aproveita uma data cívica para promover os próprios interesses políticos, é de
se perguntar o que será capaz de fazer no ano que vem, no bicentenário da
independência. É difícil imaginar que esta administração aproveite a efeméride
para promover a união nacional. O embate e a radicalização são as forças
motrizes de Bolsonaro, um presidente cada dia mais isolado e sob crescente
pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) e da CPI da Covid.
Nos últimos dias, o chefe do Executivo falou que não se trata especificamente de levantar a espada, numa clara referência a uma ação armada, mas chamou o próximo 7 de setembro de “oportunidade” para mudar o rumo do país dentro do que equivocadamente considera as quatro linhas da Constituição.
Bolsonaro menciona com frequência o papel
que as Forças Armadas deveriam desempenhar em seus planos, a despeito dos
reiterados sinais das cúpulas militares de que o presidente não terá companhia
numa aventura inconstitucional. Sempre que pode se dirige aos militares da base
da pirâmide hierárquica da caserna, onde sempre fez sucesso quando deputado
federal. Na semana passada, afirmou ter a certeza de que um “futuro promissor”
para o país passa pelo soldado. Não passa três ou quadro dias sem acenar às
polícias.
Mais recentemente, um outro receio de
Bolsonaro começou a aparecer em suas falas públicas: o medo de ser preso ou
passar a alguma condição judicial que o impeça de concorrer à reeleição.
Isso ficou claro no sábado, em Goiás, onde
mantém aliados estratégicos e apoio de segmentos relevantes da sociedade local.
Em um discurso, abordou as três alternativas que vislumbra para o próprio
futuro: “estar preso, estar morto ou vitória”. Como depois explicou, falava da
pressão que o inquérito das “fake news” proporciona para si próprio e para a
sua família. “O que eles querem? Aguardar o momento de me aplicar uma sanção
restritiva, quem sabe quando deixar o governo lá na frente? Isso não é trabalho
que se faça. Você não pode ficar ameaçando os outros”, comentou.
Mas sua preocupação parece não se limitar
ao que enfrentará a partir do dia em que deixar o poder, ou seja, quando perder
o foro privilegiado. Por esse motivo tem colocado o prestígio político que lhe
resta para dar volume aos atos de terça-feira, numa estratégia que entusiastas
do próprio presidente começaram a chamar de “kamikaze”.
Trata-se, claro, de uma referência aos
pilotos japoneses que estatelavam seus aviões carregados de explosivos sobre o
alvo inimigo. E o problema, lembram esses mesmos interlocutores, é que a ação
“kamikaze” só tem uma chance de dar certo.
Bolsonaro já entregou postos-chave da
máquina federal ao Centrão. No entanto, os parlamentares que visitam os colegas
agora instalados no Palácio do Planalto retornam ao Congresso assustados.
Ministros passam mais tempo tentando atenuar a crise política do que
trabalhando na implementação de políticas públicas. É lento o processo de
articulação entre as pastas.
A interlocução com a iniciativa privada já
foi melhor e entidades empresariais passaram a deixar claro que tampouco
respaldarão uma ruptura institucional. Enquanto seu governo tenta reduzir os
efeitos políticos negativos da grave crise hidroenergética, Bolsonaro sai de
Brasília em sucessivos atos preparatórios para o dia 7. É uma espécie de
esquenta.
Espera-se que Bolsonaro suba nos carros de
som, na Esplanada dos Ministérios e na avenida Paulista, e apele aos seus
apoiadores para que não o abandonem. Ainda é uma incógnita, contudo, como a
massa reagirá.
Diante desse cenário, é preciso lembrar que
está dada como certa a presença de militares da reserva e apoiadores do
presidente oriundos das forças de segurança. Tal perspectiva reforça a
necessidade de deixar bem clara a mensagem segundo a qual as quatro linhas
imaginadas pelo presidente da República não são o que a Constituição preconiza
em seu texto. Aliás: quem age fora desses limites já está respondendo pelos
seus atos.
A última anistia se deu em meio ao projeto
de distensão política conduzido pela ditadura militar, de forma lenta, gradual
e segura, o qual se consolidou durante o mandato do presidente João Figueiredo.
Ampla e geral, ela foi decretada em 1979. Incluiu crimes conexos e o retorno
dos anistiados, ou seja, acabou por beneficiar a esquerda, mas também alcançou
autoridades e agentes do Estado que praticaram abusos.
Sua abrangência ainda é motivo de atrito
entre a esquerda e setores das Forças Armadas. A tentativa dos partidos de
esquerda de excluir da lei os crimes de tortura e punir responsáveis pelo
desaparecimento de militantes sempre foi alvo de críticas do próprio Bolsonaro.
Além disso, a revisão de indenizações e a reformulação das atividades da
Comissão de Anistia foram transformadas em bandeiras de campanha em 2018.
A Constituição estabelece que compete à
União conceder anistia. Para alguns especialistas, o fato de isso não ter sido
fixado como atribuição exclusiva do Congresso Nacional mantém o Executivo com
um papel relevante em uma eventual discussão sobre a concessão de anistias no
futuro, inclusive se tentarem driblar o Parlamento em mais um arroubo
institucional.
Pode até ser. Ainda assim é preciso sublinhar que não existe hoje espaço para a negociação desse tipo de salvo-conduto para quem pretende transgredir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário