Editoriais / Opiniões
Resposta vigorosa à ofensa de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Ante o ataque de Bolsonaro ao País, a reação brotou forte. Instituições públicas, entidades civis e governos estrangeiros expressam incondicional apoio ao sistema eleitoral brasileiro
Na segunda-feira, Jair Bolsonaro disse ao
mundo que o Brasil não era uma democracia confiável. Desde então, o Brasil e o
mundo têm dado uma impressionante resposta rechaçando as teorias
conspiratórias. Instituições públicas, entidades da sociedade civil, lideranças
políticas, governos estrangeiros e muitíssimos cidadãos, das mais diversas
áreas, reafirmaram sua confiança no sistema eleitoral brasileiro: na sua
eficiência e na sua segurança. A falsa tese bolsonarista contra as urnas
eletrônicas é apenas isso: uma falsa tese bolsonarista, à qual ninguém fora da
patota dá crédito.
Nada poderia ter sido mais acachapante para a credibilidade de Jair Bolsonaro do que a nota do governo dos Estados Unidos. Um dia depois de o presidente da República dizer que a apuração das urnas eletrônicas no Brasil era uma farsa, os Estados Unidos afirmaram o exato oposto, reiterando sua confiança em nosso sistema eleitoral. “As eleições brasileiras conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, disse o governo americano.
No âmbito interno, desde segunda-feira,
viu-se brotar uma onda de declarações de apoio ao sistema eleitoral e ao regime
democrático, por parte das mais variadas entidades da sociedade civil.
Especialmente significativa foi a nota de três das principais entidades de
delegados e peritos da Polícia Federal – a Associação Nacional dos Delegados de
Polícia Federal, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais e a
Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – reiterando sua “total
confiança no sistema eleitoral brasileiro e nas urnas eletrônicas”.
O apoio incondicional da sociedade civil ao
sistema eleitoral revela o isolamento da campanha difamatória bolsonarista
contra a Justiça Eleitoral. Jair Bolsonaro distancia-se do eleitor quando ataca
as urnas.
A reunião do dia 18 com embaixadores
estrangeiros também despertou uma série de iniciativas no âmbito investigativo.
Perante um presidente da República rigorosamente sem limites – que ataca e
desonra o seu próprio país –, é preciso ir mais além das notas de repúdio, por
mais importantes que sejam. É necessário recordar que existe lei e que sua
infração tem consequências.
Com esse intuito, 43 procuradores dos
Direitos do Cidadão nos 26 Estados e no Distrito Federal solicitaram ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a abertura de investigação para apurar
eventuais “ilícitos eleitorais decorrentes de abuso de poder”. O documento
menciona recente entendimento jurisprudencial do TSE, segundo o qual “a
Constituição Federal não autoriza, a partir de mentiras, ofensas e de ideias
contrárias à ordem constitucional, à democracia e ao estado de direito, que os
pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem
contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições”.
Em outra iniciativa de membros do
Ministério Público, 33 dos 71 subprocuradores-gerais da República assinaram uma
nota recordando que o presidente da República tem o dever de “respeitar
lealmente os Poderes da República” e não tem o direito de “desacreditar ou
atacar impunemente as instituições”. Mencionaram ainda que “utilizar o poder
federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” – por exemplo,
desrespeitar a independência da Justiça Eleitoral – constitui crime de
responsabilidade.
Por sua vez, parlamentares protocolaram no
Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que o presidente Jair Bolsonaro
seja investigado por ataque às urnas eletrônicas. O documento menciona indícios
de crime eleitoral, de responsabilidade, de propaganda eleitoral antecipada e
ato de improbidade administrativa.
A fala de Jair Bolsonaro no dia 18
envergonhou o País. Não pode ficar impune. Ao mesmo tempo, a reação nacional e
internacional às mentiras bolsonaristas revela que a democracia brasileira não
está desacompanhada. Os autoritários não passarão.
Não há mágica contra a pobreza
O Estado de S. Paulo
Só programas sociais são incapazes de erradicar a pobreza. É preciso resgatar os fundamentos da responsabilidade fiscal e o investimento na geração de empregos
Pode não parecer, mas a pandemia de
covid-19 avança pelo terceiro ano. Evidentemente, de forma muito menos
agressiva, sobretudo em decorrência da vacinação massiva de adultos e crianças,
mas a doença ainda está entre nós, ainda causa mortes e demanda cuidados
individuais e coletivos.
Para além de seus efeitos mais imediatos,
terríveis, a covid-19 trouxe novos problemas de fundo e agravou antigos, sobre
os quais governos e sociedades no mundo inteiro deverão se debruçar. No Brasil,
particularmente, um desses desafios a médio prazo é a erradicação da pobreza
extrema. A situação de miséria a que estão submetidos milhões de brasileiros
não é propriamente uma mazela inaugurada pela pandemia, mas foi muitíssimo
agravada pelas implicações socioeconômicas da emergência sanitária.
Em 2015, vale lembrar, o País fixou como
meta nacional erradicar a pobreza extrema até 2030. Antes da pandemia, havia
boas razões para acreditar que esse dignificante objetivo seria alcançado no
prazo estabelecido, a despeito dos desastrosos resultados da política econômica
do governo de Dilma Rousseff, que legou ao País a pior recessão em décadas, e
da ausência, pode-se dizer assim, de uma política econômica digna do nome no
governo de Jair Bolsonaro. Agora, já não há mais razões para um olhar realista
sobre o sucesso daquela meta.
Um estudo do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), publicado pelo jornal Valor, revela que
erradicar a pobreza extrema do País tornou-se um “desafio gigantesco”, que
demandará muito mais do que apenas a formulação de programas sociais, ainda que
bem planejados e implementados. “A erradicação da pobreza extrema depende de
dois fatores: manutenção e aprimoramento contínuo de programas sociais amplos e
ambiciosos e, principalmente, a recuperação do mercado de trabalho para os
trabalhadores mais vulneráveis”, disse ao jornal o sociólogo Pedro Herculano
Ferreira de Souza, responsável pelo estudo A evolução da pobreza monetária
no Brasil no século 21, divulgado há poucos dias.
Não há a menor dúvida de que políticas
públicas de distribuição de renda são vitais, literalmente, para um país com
uma população tão desigual como o Brasil. Durante muito tempo, o Bolsa Família
cumpriu bem esse papel de acudir os desvalidos com algum foco e contrapartidas
muito bem estabelecidas para a concessão do benefício, como a manutenção de
crianças de famílias assistidas na escola e com a vacinação em dia. Até que o
presidente Jair Bolsonaro achou que era o caso de acabar com o programa, não
para aprimorá-lo, mas para atender unicamente ao seu interesse eleitoral. Como
arremedo, Bolsonaro inventou o Auxílio Brasil, que, embora alcance mais pessoas
do que o Bolsa Família e pague benefícios de maior valor, não chega a ser um
programa social “amplo” nem tampouco “ambicioso”.
Mas apenas programas sociais, por melhores
que sejam, são insuficientes para a erradicação da pobreza extrema, como bem
pontuou o pesquisador do Ipea, especialista em desigualdade. É fundamental que
o próximo governo eleito, primeiro, enxergue que garantir uma vida digna para
todos os brasileiros é uma prioridade inegociável, coisa que o atual presidente
da República foi incapaz de perceber, por absoluta falta de interesse e
espírito público. Depois, é preciso que seja capaz de formular e implementar
uma política econômica que, enfim, tire o País da estagnação e promova a
geração de emprego e renda. Isso só virá por meio do resgate de fundamentos
macroeconômicos e de reformas que há muito o Congresso adia, como a reforma
tributária.
Passado o momento de oferecer o necessário
auxílio monetário imediato aos milhões que se viram, do dia para a noite,
desprovidos de qualquer condição material de sobrevivência, é hora de voltar os
olhos para o modelo de sociedade que queremos construir com vistas ao futuro.
Como já dissemos nesta página, a fome não é coisa de país decente. É
intolerável que haja brasileiros vivendo na miséria em pleno século 21. Acabar
com essa vergonha é um imperativo moral para todos.
Inflação europeia, risco para o Brasil
O Estado de S. Paulo
Embora autossuficiente em desarranjos econômicos, o Brasil importa problemas da Europa, dos EUA e da China
A inflação bate recordes no mundo rico,
impondo desafios aos bancos centrais e alimentando o temor de juros maiores e
menor crescimento econômico. Qualquer novo aperto financeiro nos grandes
mercados afetará o Brasil, já sujeito a persistentes pressões inflacionárias,
crédito caro e alto desemprego. Ainda sob os efeitos da guerra na Ucrânia e da
menor atividade na China, a zona do euro contabilizou inflação de 8,6% nos 12
meses até junho, puxada pelos preços de energia e de alimentos. Foi a maior
taxa anual desde a criação da moeda comum. A meta é de 2% ao ano.
Depois de 11 anos de política muito branda,
o Banco Central Europeu tem forte motivo para conter a expansão do crédito, na
tentativa de frear a inflação. Mesmo gradual, qualquer mudança poderá produzir
efeitos sensíveis dentro e fora da Europa, complicando um cenário global já
preocupante.
O aperto começou nos Estados Unidos, onde a
inflação bateu um recorde de 41 anos, ao atingir 9,1% em 12 meses. Os preços ao
consumidor subiram 1,3% em junho, refletindo principalmente o aumento de 7,5%
dos preços da energia. Os americanos, como os europeus, são afetados pelo
encarecimento do petróleo, do gás e dos alimentos, desdobramentos da invasão da
Ucrânia pela Rússia. Também são prejudicados pela redução de atividades na
China, consequência da política de covid zero.
Investidores e analistas alertaram para o
risco de recessão como efeito da alta de juros nos Estados Unidos. O Federal
Reserve, o banco central americano, promete cautela para evitar uma contração
econômica perigosa. Mas a limitação do crédito afetará a atividade nos Estados
Unidos e produzirá efeitos negativos para outros países. A política
anti-inflacionária na zona do euro poderá acrescentar entraves à economia
internacional.
Como a Europa e os Estados Unidos, o Brasil
sofre os efeitos negativos da guerra na Ucrânia e da perda de ritmo da produção
chinesa. A China é especialmente importante para o Brasil. É o principal
destino das exportações brasileiras e, além disso, tem um papel muito relevante
como fornecedora de insumos industriais.
No balanço mais amplo, no entanto, a
posição brasileira é mais frágil que a de outras grandes economias, nesse
quadro de amplos desarranjos internacionais. Além de ser afetado pelas mudanças
de preços, pelos desajustes nas cadeias de suprimentos e por qualquer limitação
do crédito, o País é especialmente exposto a mudanças nos fluxos de capitais e
às consequentes oscilações cambiais.
Todos esses problemas são potencializados
pelos desequilíbrios internos e pelas incertezas políticas. O dólar
frequentemente sobrevalorizado é um fator a mais de pressão inflacionária. A
dominante preocupação eleitoral do presidente da República afasta investidores,
afeta o câmbio, dificulta a gestão das contas públicas e obscurece as perspectivas
da economia nos anos seguintes. Em desajustes e entraves ao crescimento o
Brasil de hoje é autossuficiente. Mas nem por isso se devem desprezar os
efeitos dos problemas no mundo rico.
Calor dos infernos
Folha de S. Paulo
Depois de atingir a Ásia, mudança climática
deflagra onda mortal e precoce na Europa
Uma prova ("foretaste") do
futuro: assim a Organização Meteorológica Mundial (OMM) resume a onda de calor
que ora varre países europeus. Em Portugal, 1.063 óbitos em excesso
entre os dias 7 e 18 se encontram sob investigação por provável ligação com o
clima.
O Reino Unido vive recordes de temperatura
batidos em sucessão vertiginosa. A marca anterior, de meros três anos atrás,
era 38,7ºC. Aí vieram na terça-feira (19) 39,1ºC em Surrey; poucas horas
depois, 40,2ºC no aeroporto de Heathrow e 40,3ºC em Coningsby.
Bombeiros londrinos, que em dias normais
atendem 300 a 350 chamados, viram-se assoberbados por 1.600 emergências.
Faltaram ambulâncias para socorrer pessoas com dificuldades respiratórias,
tonturas e desmaios. Viagens de trem foram suspensas em decorrência de trilhos
deformados.
Matas secas e abrasadas pegam fogo num
átimo, e os incêndios
se espalham por Reino Unido, Portugal (onde 115 pessoas
morreram em 2017), Espanha, França, Itália, Grécia... Nos EUA as chamas ardem
em 12 estados, até no Alasca.
Termômetros a ultrapassar 40ºC não
escandalizam habitantes do Rio de Janeiro ou do sertão nordestino, mas têm
efeito arrasador na Europa. Moradias e meios de transporte sem ar-condicionado
ou ventilação adequada se transformam em armadilhas para idosos.
A canícula incomum e precoce, ultrapassando
temperaturas que só ocorrem em agosto ou setembro, pode prolongar-se até a
próxima semana. Teme-se que repita o desastre de 2003, quando estimadas 30 mil
mortes aconteceram no continente, 14 mil delas na França.
E não é só a Europa. Na Índia e no
Paquistão, centenas de milhões de pessoas haviam padecido sob
temperaturas entre 43ºC e 50ºC em abril e maio.
Há pouca dúvida de que eventos assim
extremos resultam das mudanças climáticas, com o aquecimento global
impulsionado pela queima de combustíveis fósseis e florestas. Calcula a OMM que
a crise do clima multiplica por 30 a probabilidade de tais ondas de calor.
No cenário internacional, grassam a inação
e a imprudência. Para evitar o pior, seria necessário cortar pela metade as
emissões de carbono até 2030 e zerá-las até 2050, mas governos nacionais
descumprem metas do Acordo de Paris (2015), quando deveriam apertá-las.
Considere-se o péssimo exemplo do Brasil,
que tem no desmatamento sua maior fonte de poluição climática: em 2021
a devastação subiu 20%, em todos os biomas, não só na floresta
amazônica. Alta que se repete pelo terceiro ano, insuflada de modo deliberado
pelo desgoverno de Jair Bolsonaro.
Um aperitivo do futuro, sim, e bem amargo.
Farra partidária
Folha de S. Paulo
Mudanças legais e leniência com infratores
incentivam abusos no uso de fundos públicos
Passados sete anos desde que o STF proibiu
as doações políticas de empresas, na esteira das primeiras revelações da Operação Lava
Jato, é fácil constatar que a medida contribuiu pouco para impedir
abusos.
Criou-se um generoso sistema de
financiamento público para atividades partidárias, com dinheiro do Orçamento da
União. Mas os recursos abundantes e a fragilidade da fiscalização fizeram
proliferar oportunidades para desvios.
Exame feito pelo Movimento
Transparência Partidária nas prestações de contas dos partidos
à Justiça Eleitoral nos últimos anos encontrou indícios alarmantes de
descontrole no uso dessas verbas, como a Folha noticiou.
Boa parte do dinheiro tem sido gasto com
alimentação e transporte de dirigentes em atividades partidárias, com despesas
injustificáveis em restaurantes estrelados, carros luxuosos e jatinhos. O
antigo PSL, pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu em 2018, e que depois se uniu ao
DEM na União Brasil, foi o que mais comprou veículos, chegando a pagar R$ 381
mil por um carro para o diretório da Paraíba.
O nanico PSC gastou R$ 1,2 milhão para
adquirir um conjunto de salas comerciais no centro do Rio e transformá-lo em
sua nova sede. O proprietário dos imóveis era um ex-dirigente da sigla, que
antes alugava as salas para o PSC.
Os 32 partidos que disputaram as últimas
eleições para o Legislativo têm R$ 1 bilhão à disposição para suas atividades
neste ano. Além disso, terão R$ 5,7
bilhões para candidatos nas eleições, o triplo do que foi repassado
no pleito de 2018.
Como a divisão do dinheiro é proporcional
ao desempenho nas eleições para a Câmara, e as siglas podem distribuir as verbas
como quiserem, os fundos aumentaram bastante o poder dos caciques partidários
no processo eleitoral.
Os partidos também têm se movimentado para
enfraquecer mecanismos de controle. Despesas com alimentação e aquisição de
imóveis, que a Justiça Eleitoral costumava glosar, tornaram-se legais. Há três
anos, foram anistiadas várias infrações do passado, e um novo dispositivo
permite que partidos com contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral participem de
eleições.
Se o fim das doações de empresas tinha como
finalidade moralizar a política e afastar a influência de grupos econômicos
poderosos, parece que se chegou ao pior dos mundos, em que não falta dinheiro
para ninguém e se pode gastar à vontade, sem correr muito risco.
Meio ambiente tem de voltar ao topo da
agenda global
O Globo
Será preciso mais ambição nas metas para
deter mudanças climáticas, como revela a onda de calor europeia
A forte onda de calor que atinge a Europa
desde junho, com temperaturas na faixa dos 40 oC em cidades improváveis como
Londres, é apenas a última evidência da urgência em deter as mudanças
climáticas. Secas severas — a estiagem mais grave em 1.200 anos na Península
Ibérica —, quebra de safra com preços em alta trazem uma outra faceta do
aquecimento global: menos alimentos, comida mais cara, mais fome.
A Europa já enfrentara em 2021 outros
eventos extremos. A Alemanha foi varrida por inundações, incêndios como os que
agora atingem Espanha, Portugal e França destruíram florestas na Grécia. Numa
cidade da Sicília, os termômetros chegaram a 51 oC. O tórrido verão europeu
fortalece a convicção de que será necessário perseguir metas mais ambiciosas
para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A COP 26, a reunião na
Escócia no fim de 2021, deu prazo até o final deste ano para que os países as
apresentem.
O Acordo de Paris, de 2016, fixou em 2 oC o
limite máximo de aumento da temperatura da Terra neste século em relação à era
pré-industrial. Em Glasgow, criou-se o compromisso de tentar limitá-lo a 1,5 oC
para evitar cenários catastróficos (estima-se que já tenha alcançado 1,1 oC).
Mas de nada adianta apresentar metas e não cumpri-las. Infelizmente, o
engajamento necessário está distante. Num momento em que a agenda global foi
capturada pelos efeitos deletérios da guerra na Ucrânia na energia, na
segurança alimentar e no equilíbrio geopolítico, o meio ambiente ficou em
segundo plano.
Nos Estados Unidos, segundo maior emissor
de gases (atrás da China) e peça-chave para cumprir a meta global, a Suprema
Corte limitou as ações da Casa Branca para conter emissões de usinas a carvão
ou gás natural. Também fracassou o plano do presidente Joe Biden de aprovar um
ambicioso pacote socioambiental no Congresso, graças à resistência do senador
democrata da Virgínia Ocidental, estado dependente da produção de carvão
mineral.
Na Europa, os países assumiram o
compromisso de, até 2030, reduzir em 55% as emissões em comparação aos níveis
de 1990. Para isso, pretendem investir € 1 trilhão em energia limpa, mas ainda
dependem de consumir o gás natural russo nos volumes anteriores à guerra na
Ucrânia. Como a Rússia não tem mantido o fornecimento em razão das sanções
econômicas, países europeus se veem obrigados a reativar usinas termelétricas a
carvão e a óleo, mais poluentes.
No Brasil, o desmatamento quebra recorde
sobre recorde. Mesmo que a oposição vença as eleições em outubro, a situação
ambiental na Amazônia não mudará de uma hora para outra. A devastação tem sua
bancada política. Basta lembrar que a Assembleia de Roraima aprovou por
unanimidade um Projeto de Lei proibindo destruir equipamentos apreendidos na
fiscalização de garimpos ilegais — um absurdo.
Enquanto isso, eventos climáticos extremos
como a canícula europeia têm se tornado mais frequentes e mais violentos. Sem o
aquecimento global, a força das tempestades e inundações no Nordeste brasileiro
entre maio e junho teria sido 20% menor, revelou estudo do World Weather
Attribution. As vítimas ainda estão sobretudo na população de baixa renda, que
mora em encostas ou áreas insalubres. A tendência, a continuar a falta de
atenção com a agenda global do meio ambiente, é que em breve ninguém mais
esteja seguro.
Operação da PF na Codevasf expõe corrupção
no governo Bolsonaro
O Globo
Polícia investiga fraudes em licitações da
estatal, paraíso das verbas do orçamento secreto
Diante dos indícios de irregularidades na
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), controlada
pelo Centrão, era questão de tempo até a Polícia Federal (PF) bater à porta da
estatal, espécie de paraíso das verbas do orçamento secreto. Não deu outra. Os
federais deflagaram uma operação na superintendência da empresa no Maranhão
para apurar suspeitas de fraude em contratos com a Construservice. Na ação, que
investiga ainda crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, foi preso
um empresário conhecido como “Imperador”, apontado como sócio oculto da
empreiteira.
O roteiro da operação da PF revelou os
mesmos detalhes sórdidos que outras investigações dos meandros por onde se
perdem os escassos recursos públicos. Na residência de um suspeito, os
policiais apreenderam mais de R$ 1 milhão em malas, caixas e num cofre. Foram
recolhidos também artigos de luxo pertencentes aos acusados.
As investigações detectaram falhas graves
nas licitações para obras da Codevasf, como a criação de empresas de fachada
que simulavam participar de concorrência com o único objetivo de favorecer a
empreiteira principal do grupo.
A Construservice ganhou protagonismo no
governo Jair Bolsonaro. Sem nunca ter participado de contratos com a União
antes de 2019, passou a abocanhar fatias cada vez maiores do Orçamento. Em
2019, o Executivo empenhou para a empresa R$ 32 milhões, valor que caiu a R$ 16
milhões em 2020, mas subiu a R$ 92 milhões no ano passado. Estima-se que neste
ano os números sejam ainda mais generosos. Os contratos firmados em seis
estados chegam a quase R$ 400 milhões.
Os caminhos percorridos por essas verbas
são pouco transparentes. Como mostrou reportagem do GLOBO, a Construservice foi
uma das empresas que mais receberam recursos das emendas do relator, que
alimentam o orçamento secreto. Nos últimos dois anos, foram pelo menos R$ 58
milhões por intermédio desse mecanismo opaco, usado pelo governo para comprar
apoio no Congresso.
O caso expõe como a Codevasf, criada em
1974 para apoiar projetos de irrigação no Vale do São Francisco, se transformou
em instrumento de clientelismo e fisiologismo. Hoje está no foco da troca de
favores entre o governo Bolsonaro e o Centrão. Pouco importam os benefícios que
poderia proporcionar aos cidadãos, mas sim os interesses paroquiais de
parlamentares que destinam verbas públicas segundo critérios eleitoreiros, e
não técnicos.
O presidente Jair Bolsonaro já afirmou
repetidas vezes que em seu governo não há corrupção. Nada mais falso. Não
bastassem as negociatas no MEC, que levaram à queda do então ministro Milton
Ribeiro, agora vêm à tona os desmandos na Codevasf. Louve-se a atitude da PF,
que mostrou independência ao deflagrar a operação. É preciso investigar e punir
quem desvia recursos públicos, não importando o calendário eleitoral ou os
chefes de plantão. Bolsonaro tem de reescrever seu discurso, a cada dia mais
indefensável.
Parcerias na educação
Valor Econômico
O apoio de institutos e fundações
empresariais acelera a disseminação de práticas e projetos bem-sucedidos
Parcerias com o setor privado têm ajudado a
aprimorar o ensino básico no Brasil e apontam caminhos efetivos para a inserção
de jovens em um mercado de trabalho com demandas que se renovam rapidamente no
cenário de ebulição tecnológica. Do processo de alfabetização a cursos
técnicos, o apoio de institutos e fundações empresariais acelera a disseminação
de práticas e projetos bem-sucedidos, reforçando políticas públicas.
Um dos exemplos vem de Araripina, no
interior pernambucano. O município, com população estimada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 85 mil pessoas em 2021, entrou
em 2020 no mapa de cidades com mais parcerias articuladas entre os setores
público e privado para o desenvolvimento do ensino técnico. Há iniciativas que
unem empresas e escolas públicas em projetos que alcançam formação mais
aderente à realidade, currículos replicáveis em todo o país ou programas que
estabelecem continuidade entre ensino médio técnico e superior.
As áreas prioritárias para a formação dos
jovens, que requerem capacidade de criar e refletir, são voltadas para o
futuro: tecnologia, economia criativa e sustentabilidade, incluindo inovação da
matriz energética, setor de alto potencial na região. Para gerar mão de obra
que atenda as demandas nesses segmentos, o ensino técnico profissionalizante é
um caminho que tem demonstrado bons resultados. A pauta é urgente: o desemprego
entre os 22,8 milhões de brasileiros com idades de 18 a 24 anos é de 22,8% - o
dobro da taxa para o total da população, de 11,1% no primeiro trimestre deste
ano, segundo o IBGE.
As parcerias com o setor produtivo podem
propiciar maior oportunidade de prática profissional e diálogo com os órgãos
públicos para estabelecer currículos com formação mais adequada à realidade de
cada escola e região.
Em Araripina, um dos diferenciais foi o
currículo montado a partir das demandas do setor produtivo. Com a preocupação
de formar técnicos para toda a cadeia produtiva de energia renovável, o
programa considera empregabilidade não só em empresas geradoras, mas também
usuárias.
O uso da energia renovável vem se
expandindo na região e muitas companhias têm investido em usinas próprias, o
que também demandará mais profissionais da área.
A expectativa é que a capacitação
resultante do curso técnico gere melhoria da remuneração para a população. Em
2020, o salário médio mensal em Araripina era de 1,6 mínimo, o que deixava o
município em 93º lugar entre as 185 cidades pernambucanas e em 4.400º entre
5.570 municípios do país, segundo o IBGE.
O programa em Araripina está em linha com o
documento “Educação: Preparando os Jovens para o Mundo do Trabalho”, lançado
pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), parte de uma série de quatro
propostas para a eleição deste ano. O documento sugere fortalecer o elo entre
ensino básico e formação profissional e traça um diagnóstico da educação no
país. A educação profissional e tecnológica é vista pela entidade como “elemento
estratégico central para o enfrentamento dos desafios associados à
produtividade e à competitividade das empresas brasileiras” e a considera
“capaz de assumir papel decisivo” no desenvolvimento econômico e social
sustentável do país.
O texto da CNI identifica as falhas na
alfabetização como ponto de partida de um processo de acumulação de
deficiências. A Avaliação Nacional de Alfabetização de 2016 indica que 55% dos
estudantes concluem o 3º ano do ensino fundamental com desempenho insuficiente
em matemática e leitura.
É nessa ponta que está situada uma
experiência bem-sucedida no Ceará, focada em alfabetização infantil. Com apoio
de institutos e fundações ligados a empresas, o programa está sendo “exportado”
para outros Estados. A iniciativa tem como base um programa que começou em
Sobral, se espalhou pelo estado e levou a 13ª economia do país ao topo do
ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
O projeto Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração (Parc) começou em 2019 e, apesar da pandemia da covid-19, já envolve 11 Estados, 1.859 municípios e 1.,243 milhão de crianças matriculadas nos dois primeiros anos do ensino fundamental. Com São Paulo, que participa parcialmente, são mais de 2 milhões. A avaliação de fluência feita em 2021 com crianças de dez Estados do Parc indicou que o percentual de não leitores variava de 66% a 81%. A partir da conjunção de esforços é possível articular políticas públicas eficazes que ajudem a vencer os déficits crônicos na educação e contribuam para a redução das desigualdades.
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