quinta-feira, 21 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Resposta vigorosa à ofensa de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Ante o ataque de Bolsonaro ao País, a reação brotou forte. Instituições públicas, entidades civis e governos estrangeiros expressam incondicional apoio ao sistema eleitoral brasileiro

Na segunda-feira, Jair Bolsonaro disse ao mundo que o Brasil não era uma democracia confiável. Desde então, o Brasil e o mundo têm dado uma impressionante resposta rechaçando as teorias conspiratórias. Instituições públicas, entidades da sociedade civil, lideranças políticas, governos estrangeiros e muitíssimos cidadãos, das mais diversas áreas, reafirmaram sua confiança no sistema eleitoral brasileiro: na sua eficiência e na sua segurança. A falsa tese bolsonarista contra as urnas eletrônicas é apenas isso: uma falsa tese bolsonarista, à qual ninguém fora da patota dá crédito.

Nada poderia ter sido mais acachapante para a credibilidade de Jair Bolsonaro do que a nota do governo dos Estados Unidos. Um dia depois de o presidente da República dizer que a apuração das urnas eletrônicas no Brasil era uma farsa, os Estados Unidos afirmaram o exato oposto, reiterando sua confiança em nosso sistema eleitoral. “As eleições brasileiras conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, disse o governo americano.

No âmbito interno, desde segunda-feira, viu-se brotar uma onda de declarações de apoio ao sistema eleitoral e ao regime democrático, por parte das mais variadas entidades da sociedade civil. Especialmente significativa foi a nota de três das principais entidades de delegados e peritos da Polícia Federal – a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – reiterando sua “total confiança no sistema eleitoral brasileiro e nas urnas eletrônicas”.

O apoio incondicional da sociedade civil ao sistema eleitoral revela o isolamento da campanha difamatória bolsonarista contra a Justiça Eleitoral. Jair Bolsonaro distancia-se do eleitor quando ataca as urnas.

A reunião do dia 18 com embaixadores estrangeiros também despertou uma série de iniciativas no âmbito investigativo. Perante um presidente da República rigorosamente sem limites – que ataca e desonra o seu próprio país –, é preciso ir mais além das notas de repúdio, por mais importantes que sejam. É necessário recordar que existe lei e que sua infração tem consequências.

Com esse intuito, 43 procuradores dos Direitos do Cidadão nos 26 Estados e no Distrito Federal solicitaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a abertura de investigação para apurar eventuais “ilícitos eleitorais decorrentes de abuso de poder”. O documento menciona recente entendimento jurisprudencial do TSE, segundo o qual “a Constituição Federal não autoriza, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, à democracia e ao estado de direito, que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições”.

Em outra iniciativa de membros do Ministério Público, 33 dos 71 subprocuradores-gerais da República assinaram uma nota recordando que o presidente da República tem o dever de “respeitar lealmente os Poderes da República” e não tem o direito de “desacreditar ou atacar impunemente as instituições”. Mencionaram ainda que “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” – por exemplo, desrespeitar a independência da Justiça Eleitoral – constitui crime de responsabilidade.

Por sua vez, parlamentares protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado por ataque às urnas eletrônicas. O documento menciona indícios de crime eleitoral, de responsabilidade, de propaganda eleitoral antecipada e ato de improbidade administrativa.

A fala de Jair Bolsonaro no dia 18 envergonhou o País. Não pode ficar impune. Ao mesmo tempo, a reação nacional e internacional às mentiras bolsonaristas revela que a democracia brasileira não está desacompanhada. Os autoritários não passarão.

Não há mágica contra a pobreza

O Estado de S. Paulo

Só programas sociais são incapazes de erradicar a pobreza. É preciso resgatar os fundamentos da responsabilidade fiscal e o investimento na geração de empregos

Pode não parecer, mas a pandemia de covid-19 avança pelo terceiro ano. Evidentemente, de forma muito menos agressiva, sobretudo em decorrência da vacinação massiva de adultos e crianças, mas a doença ainda está entre nós, ainda causa mortes e demanda cuidados individuais e coletivos.

Para além de seus efeitos mais imediatos, terríveis, a covid-19 trouxe novos problemas de fundo e agravou antigos, sobre os quais governos e sociedades no mundo inteiro deverão se debruçar. No Brasil, particularmente, um desses desafios a médio prazo é a erradicação da pobreza extrema. A situação de miséria a que estão submetidos milhões de brasileiros não é propriamente uma mazela inaugurada pela pandemia, mas foi muitíssimo agravada pelas implicações socioeconômicas da emergência sanitária.

Em 2015, vale lembrar, o País fixou como meta nacional erradicar a pobreza extrema até 2030. Antes da pandemia, havia boas razões para acreditar que esse dignificante objetivo seria alcançado no prazo estabelecido, a despeito dos desastrosos resultados da política econômica do governo de Dilma Rousseff, que legou ao País a pior recessão em décadas, e da ausência, pode-se dizer assim, de uma política econômica digna do nome no governo de Jair Bolsonaro. Agora, já não há mais razões para um olhar realista sobre o sucesso daquela meta.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado pelo jornal Valor, revela que erradicar a pobreza extrema do País tornou-se um “desafio gigantesco”, que demandará muito mais do que apenas a formulação de programas sociais, ainda que bem planejados e implementados. “A erradicação da pobreza extrema depende de dois fatores: manutenção e aprimoramento contínuo de programas sociais amplos e ambiciosos e, principalmente, a recuperação do mercado de trabalho para os trabalhadores mais vulneráveis”, disse ao jornal o sociólogo Pedro Herculano Ferreira de Souza, responsável pelo estudo A evolução da pobreza monetária no Brasil no século 21, divulgado há poucos dias.

Não há a menor dúvida de que políticas públicas de distribuição de renda são vitais, literalmente, para um país com uma população tão desigual como o Brasil. Durante muito tempo, o Bolsa Família cumpriu bem esse papel de acudir os desvalidos com algum foco e contrapartidas muito bem estabelecidas para a concessão do benefício, como a manutenção de crianças de famílias assistidas na escola e com a vacinação em dia. Até que o presidente Jair Bolsonaro achou que era o caso de acabar com o programa, não para aprimorá-lo, mas para atender unicamente ao seu interesse eleitoral. Como arremedo, Bolsonaro inventou o Auxílio Brasil, que, embora alcance mais pessoas do que o Bolsa Família e pague benefícios de maior valor, não chega a ser um programa social “amplo” nem tampouco “ambicioso”.

Mas apenas programas sociais, por melhores que sejam, são insuficientes para a erradicação da pobreza extrema, como bem pontuou o pesquisador do Ipea, especialista em desigualdade. É fundamental que o próximo governo eleito, primeiro, enxergue que garantir uma vida digna para todos os brasileiros é uma prioridade inegociável, coisa que o atual presidente da República foi incapaz de perceber, por absoluta falta de interesse e espírito público. Depois, é preciso que seja capaz de formular e implementar uma política econômica que, enfim, tire o País da estagnação e promova a geração de emprego e renda. Isso só virá por meio do resgate de fundamentos macroeconômicos e de reformas que há muito o Congresso adia, como a reforma tributária.

Passado o momento de oferecer o necessário auxílio monetário imediato aos milhões que se viram, do dia para a noite, desprovidos de qualquer condição material de sobrevivência, é hora de voltar os olhos para o modelo de sociedade que queremos construir com vistas ao futuro. Como já dissemos nesta página, a fome não é coisa de país decente. É intolerável que haja brasileiros vivendo na miséria em pleno século 21. Acabar com essa vergonha é um imperativo moral para todos.

Inflação europeia, risco para o Brasil

O Estado de S. Paulo

Embora autossuficiente em desarranjos econômicos, o Brasil importa problemas da Europa, dos EUA e da China

A inflação bate recordes no mundo rico, impondo desafios aos bancos centrais e alimentando o temor de juros maiores e menor crescimento econômico. Qualquer novo aperto financeiro nos grandes mercados afetará o Brasil, já sujeito a persistentes pressões inflacionárias, crédito caro e alto desemprego. Ainda sob os efeitos da guerra na Ucrânia e da menor atividade na China, a zona do euro contabilizou inflação de 8,6% nos 12 meses até junho, puxada pelos preços de energia e de alimentos. Foi a maior taxa anual desde a criação da moeda comum. A meta é de 2% ao ano.

Depois de 11 anos de política muito branda, o Banco Central Europeu tem forte motivo para conter a expansão do crédito, na tentativa de frear a inflação. Mesmo gradual, qualquer mudança poderá produzir efeitos sensíveis dentro e fora da Europa, complicando um cenário global já preocupante.

O aperto começou nos Estados Unidos, onde a inflação bateu um recorde de 41 anos, ao atingir 9,1% em 12 meses. Os preços ao consumidor subiram 1,3% em junho, refletindo principalmente o aumento de 7,5% dos preços da energia. Os americanos, como os europeus, são afetados pelo encarecimento do petróleo, do gás e dos alimentos, desdobramentos da invasão da Ucrânia pela Rússia. Também são prejudicados pela redução de atividades na China, consequência da política de covid zero.

Investidores e analistas alertaram para o risco de recessão como efeito da alta de juros nos Estados Unidos. O Federal Reserve, o banco central americano, promete cautela para evitar uma contração econômica perigosa. Mas a limitação do crédito afetará a atividade nos Estados Unidos e produzirá efeitos negativos para outros países. A política anti-inflacionária na zona do euro poderá acrescentar entraves à economia internacional.

Como a Europa e os Estados Unidos, o Brasil sofre os efeitos negativos da guerra na Ucrânia e da perda de ritmo da produção chinesa. A China é especialmente importante para o Brasil. É o principal destino das exportações brasileiras e, além disso, tem um papel muito relevante como fornecedora de insumos industriais.

No balanço mais amplo, no entanto, a posição brasileira é mais frágil que a de outras grandes economias, nesse quadro de amplos desarranjos internacionais. Além de ser afetado pelas mudanças de preços, pelos desajustes nas cadeias de suprimentos e por qualquer limitação do crédito, o País é especialmente exposto a mudanças nos fluxos de capitais e às consequentes oscilações cambiais.

Todos esses problemas são potencializados pelos desequilíbrios internos e pelas incertezas políticas. O dólar frequentemente sobrevalorizado é um fator a mais de pressão inflacionária. A dominante preocupação eleitoral do presidente da República afasta investidores, afeta o câmbio, dificulta a gestão das contas públicas e obscurece as perspectivas da economia nos anos seguintes. Em desajustes e entraves ao crescimento o Brasil de hoje é autossuficiente. Mas nem por isso se devem desprezar os efeitos dos problemas no mundo rico.

Calor dos infernos

Folha de S. Paulo

Depois de atingir a Ásia, mudança climática deflagra onda mortal e precoce na Europa

Uma prova ("foretaste") do futuro: assim a Organização Meteorológica Mundial (OMM) resume a onda de calor que ora varre países europeus. Em Portugal, 1.063 óbitos em excesso entre os dias 7 e 18 se encontram sob investigação por provável ligação com o clima.

O Reino Unido vive recordes de temperatura batidos em sucessão vertiginosa. A marca anterior, de meros três anos atrás, era 38,7ºC. Aí vieram na terça-feira (19) 39,1ºC em Surrey; poucas horas depois, 40,2ºC no aeroporto de Heathrow e 40,3ºC em Coningsby.

Bombeiros londrinos, que em dias normais atendem 300 a 350 chamados, viram-se assoberbados por 1.600 emergências. Faltaram ambulâncias para socorrer pessoas com dificuldades respiratórias, tonturas e desmaios. Viagens de trem foram suspensas em decorrência de trilhos deformados.

Matas secas e abrasadas pegam fogo num átimo, e os incêndios se espalham por Reino Unido, Portugal (onde 115 pessoas morreram em 2017), Espanha, França, Itália, Grécia... Nos EUA as chamas ardem em 12 estados, até no Alasca.

Termômetros a ultrapassar 40ºC não escandalizam habitantes do Rio de Janeiro ou do sertão nordestino, mas têm efeito arrasador na Europa. Moradias e meios de transporte sem ar-condicionado ou ventilação adequada se transformam em armadilhas para idosos.

A canícula incomum e precoce, ultrapassando temperaturas que só ocorrem em agosto ou setembro, pode prolongar-se até a próxima semana. Teme-se que repita o desastre de 2003, quando estimadas 30 mil mortes aconteceram no continente, 14 mil delas na França.

E não é só a Europa. Na Índia e no Paquistão, centenas de milhões de pessoas haviam padecido sob temperaturas entre 43ºC e 50ºC em abril e maio.

Há pouca dúvida de que eventos assim extremos resultam das mudanças climáticas, com o aquecimento global impulsionado pela queima de combustíveis fósseis e florestas. Calcula a OMM que a crise do clima multiplica por 30 a probabilidade de tais ondas de calor.

No cenário internacional, grassam a inação e a imprudência. Para evitar o pior, seria necessário cortar pela metade as emissões de carbono até 2030 e zerá-las até 2050, mas governos nacionais descumprem metas do Acordo de Paris (2015), quando deveriam apertá-las.

Considere-se o péssimo exemplo do Brasil, que tem no desmatamento sua maior fonte de poluição climática: em 2021 a devastação subiu 20%, em todos os biomas, não só na floresta amazônica. Alta que se repete pelo terceiro ano, insuflada de modo deliberado pelo desgoverno de Jair Bolsonaro.
Um aperitivo do futuro, sim, e bem amargo.

Farra partidária

Folha de S. Paulo

Mudanças legais e leniência com infratores incentivam abusos no uso de fundos públicos

Passados sete anos desde que o STF proibiu as doações políticas de empresas, na esteira das primeiras revelações da Operação Lava Jato, é fácil constatar que a medida contribuiu pouco para impedir abusos.

Criou-se um generoso sistema de financiamento público para atividades partidárias, com dinheiro do Orçamento da União. Mas os recursos abundantes e a fragilidade da fiscalização fizeram proliferar oportunidades para desvios.

Exame feito pelo Movimento Transparência Partidária nas prestações de contas dos partidos à Justiça Eleitoral nos últimos anos encontrou indícios alarmantes de descontrole no uso dessas verbas, como a Folha noticiou.

Boa parte do dinheiro tem sido gasto com alimentação e transporte de dirigentes em atividades partidárias, com despesas injustificáveis em restaurantes estrelados, carros luxuosos e jatinhos. O antigo PSL, pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu em 2018, e que depois se uniu ao DEM na União Brasil, foi o que mais comprou veículos, chegando a pagar R$ 381 mil por um carro para o diretório da Paraíba.

O nanico PSC gastou R$ 1,2 milhão para adquirir um conjunto de salas comerciais no centro do Rio e transformá-lo em sua nova sede. O proprietário dos imóveis era um ex-dirigente da sigla, que antes alugava as salas para o PSC.

Os 32 partidos que disputaram as últimas eleições para o Legislativo têm R$ 1 bilhão à disposição para suas atividades neste ano. Além disso, terão R$ 5,7 bilhões para candidatos nas eleições, o triplo do que foi repassado no pleito de 2018.

Como a divisão do dinheiro é proporcional ao desempenho nas eleições para a Câmara, e as siglas podem distribuir as verbas como quiserem, os fundos aumentaram bastante o poder dos caciques partidários no processo eleitoral.

Os partidos também têm se movimentado para enfraquecer mecanismos de controle. Despesas com alimentação e aquisição de imóveis, que a Justiça Eleitoral costumava glosar, tornaram-se legais. Há três anos, foram anistiadas várias infrações do passado, e um novo dispositivo permite que partidos com contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral participem de eleições.

Se o fim das doações de empresas tinha como finalidade moralizar a política e afastar a influência de grupos econômicos poderosos, parece que se chegou ao pior dos mundos, em que não falta dinheiro para ninguém e se pode gastar à vontade, sem correr muito risco.

Meio ambiente tem de voltar ao topo da agenda global

O Globo

Será preciso mais ambição nas metas para deter mudanças climáticas, como revela a onda de calor europeia

A forte onda de calor que atinge a Europa desde junho, com temperaturas na faixa dos 40 oC em cidades improváveis como Londres, é apenas a última evidência da urgência em deter as mudanças climáticas. Secas severas — a estiagem mais grave em 1.200 anos na Península Ibérica —, quebra de safra com preços em alta trazem uma outra faceta do aquecimento global: menos alimentos, comida mais cara, mais fome.

A Europa já enfrentara em 2021 outros eventos extremos. A Alemanha foi varrida por inundações, incêndios como os que agora atingem Espanha, Portugal e França destruíram florestas na Grécia. Numa cidade da Sicília, os termômetros chegaram a 51 oC. O tórrido verão europeu fortalece a convicção de que será necessário perseguir metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A COP 26, a reunião na Escócia no fim de 2021, deu prazo até o final deste ano para que os países as apresentem.

O Acordo de Paris, de 2016, fixou em 2 oC o limite máximo de aumento da temperatura da Terra neste século em relação à era pré-industrial. Em Glasgow, criou-se o compromisso de tentar limitá-lo a 1,5 oC para evitar cenários catastróficos (estima-se que já tenha alcançado 1,1 oC). Mas de nada adianta apresentar metas e não cumpri-las. Infelizmente, o engajamento necessário está distante. Num momento em que a agenda global foi capturada pelos efeitos deletérios da guerra na Ucrânia na energia, na segurança alimentar e no equilíbrio geopolítico, o meio ambiente ficou em segundo plano.

Nos Estados Unidos, segundo maior emissor de gases (atrás da China) e peça-chave para cumprir a meta global, a Suprema Corte limitou as ações da Casa Branca para conter emissões de usinas a carvão ou gás natural. Também fracassou o plano do presidente Joe Biden de aprovar um ambicioso pacote socioambiental no Congresso, graças à resistência do senador democrata da Virgínia Ocidental, estado dependente da produção de carvão mineral.

Na Europa, os países assumiram o compromisso de, até 2030, reduzir em 55% as emissões em comparação aos níveis de 1990. Para isso, pretendem investir € 1 trilhão em energia limpa, mas ainda dependem de consumir o gás natural russo nos volumes anteriores à guerra na Ucrânia. Como a Rússia não tem mantido o fornecimento em razão das sanções econômicas, países europeus se veem obrigados a reativar usinas termelétricas a carvão e a óleo, mais poluentes.

No Brasil, o desmatamento quebra recorde sobre recorde. Mesmo que a oposição vença as eleições em outubro, a situação ambiental na Amazônia não mudará de uma hora para outra. A devastação tem sua bancada política. Basta lembrar que a Assembleia de Roraima aprovou por unanimidade um Projeto de Lei proibindo destruir equipamentos apreendidos na fiscalização de garimpos ilegais — um absurdo.

Enquanto isso, eventos climáticos extremos como a canícula europeia têm se tornado mais frequentes e mais violentos. Sem o aquecimento global, a força das tempestades e inundações no Nordeste brasileiro entre maio e junho teria sido 20% menor, revelou estudo do World Weather Attribution. As vítimas ainda estão sobretudo na população de baixa renda, que mora em encostas ou áreas insalubres. A tendência, a continuar a falta de atenção com a agenda global do meio ambiente, é que em breve ninguém mais esteja seguro.

Operação da PF na Codevasf expõe corrupção no governo Bolsonaro

O Globo

Polícia investiga fraudes em licitações da estatal, paraíso das verbas do orçamento secreto

Diante dos indícios de irregularidades na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), controlada pelo Centrão, era questão de tempo até a Polícia Federal (PF) bater à porta da estatal, espécie de paraíso das verbas do orçamento secreto. Não deu outra. Os federais deflagaram uma operação na superintendência da empresa no Maranhão para apurar suspeitas de fraude em contratos com a Construservice. Na ação, que investiga ainda crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, foi preso um empresário conhecido como “Imperador”, apontado como sócio oculto da empreiteira.

O roteiro da operação da PF revelou os mesmos detalhes sórdidos que outras investigações dos meandros por onde se perdem os escassos recursos públicos. Na residência de um suspeito, os policiais apreenderam mais de R$ 1 milhão em malas, caixas e num cofre. Foram recolhidos também artigos de luxo pertencentes aos acusados.

As investigações detectaram falhas graves nas licitações para obras da Codevasf, como a criação de empresas de fachada que simulavam participar de concorrência com o único objetivo de favorecer a empreiteira principal do grupo.

A Construservice ganhou protagonismo no governo Jair Bolsonaro. Sem nunca ter participado de contratos com a União antes de 2019, passou a abocanhar fatias cada vez maiores do Orçamento. Em 2019, o Executivo empenhou para a empresa R$ 32 milhões, valor que caiu a R$ 16 milhões em 2020, mas subiu a R$ 92 milhões no ano passado. Estima-se que neste ano os números sejam ainda mais generosos. Os contratos firmados em seis estados chegam a quase R$ 400 milhões.

Os caminhos percorridos por essas verbas são pouco transparentes. Como mostrou reportagem do GLOBO, a Construservice foi uma das empresas que mais receberam recursos das emendas do relator, que alimentam o orçamento secreto. Nos últimos dois anos, foram pelo menos R$ 58 milhões por intermédio desse mecanismo opaco, usado pelo governo para comprar apoio no Congresso.

O caso expõe como a Codevasf, criada em 1974 para apoiar projetos de irrigação no Vale do São Francisco, se transformou em instrumento de clientelismo e fisiologismo. Hoje está no foco da troca de favores entre o governo Bolsonaro e o Centrão. Pouco importam os benefícios que poderia proporcionar aos cidadãos, mas sim os interesses paroquiais de parlamentares que destinam verbas públicas segundo critérios eleitoreiros, e não técnicos.

O presidente Jair Bolsonaro já afirmou repetidas vezes que em seu governo não há corrupção. Nada mais falso. Não bastassem as negociatas no MEC, que levaram à queda do então ministro Milton Ribeiro, agora vêm à tona os desmandos na Codevasf. Louve-se a atitude da PF, que mostrou independência ao deflagrar a operação. É preciso investigar e punir quem desvia recursos públicos, não importando o calendário eleitoral ou os chefes de plantão. Bolsonaro tem de reescrever seu discurso, a cada dia mais indefensável.

Parcerias na educação

Valor Econômico

O apoio de institutos e fundações empresariais acelera a disseminação de práticas e projetos bem-sucedidos

Parcerias com o setor privado têm ajudado a aprimorar o ensino básico no Brasil e apontam caminhos efetivos para a inserção de jovens em um mercado de trabalho com demandas que se renovam rapidamente no cenário de ebulição tecnológica. Do processo de alfabetização a cursos técnicos, o apoio de institutos e fundações empresariais acelera a disseminação de práticas e projetos bem-sucedidos, reforçando políticas públicas.

Um dos exemplos vem de Araripina, no interior pernambucano. O município, com população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 85 mil pessoas em 2021, entrou em 2020 no mapa de cidades com mais parcerias articuladas entre os setores público e privado para o desenvolvimento do ensino técnico. Há iniciativas que unem empresas e escolas públicas em projetos que alcançam formação mais aderente à realidade, currículos replicáveis em todo o país ou programas que estabelecem continuidade entre ensino médio técnico e superior.

As áreas prioritárias para a formação dos jovens, que requerem capacidade de criar e refletir, são voltadas para o futuro: tecnologia, economia criativa e sustentabilidade, incluindo inovação da matriz energética, setor de alto potencial na região. Para gerar mão de obra que atenda as demandas nesses segmentos, o ensino técnico profissionalizante é um caminho que tem demonstrado bons resultados. A pauta é urgente: o desemprego entre os 22,8 milhões de brasileiros com idades de 18 a 24 anos é de 22,8% - o dobro da taxa para o total da população, de 11,1% no primeiro trimestre deste ano, segundo o IBGE.

As parcerias com o setor produtivo podem propiciar maior oportunidade de prática profissional e diálogo com os órgãos públicos para estabelecer currículos com formação mais adequada à realidade de cada escola e região.

Em Araripina, um dos diferenciais foi o currículo montado a partir das demandas do setor produtivo. Com a preocupação de formar técnicos para toda a cadeia produtiva de energia renovável, o programa considera empregabilidade não só em empresas geradoras, mas também usuárias.

O uso da energia renovável vem se expandindo na região e muitas companhias têm investido em usinas próprias, o que também demandará mais profissionais da área.

A expectativa é que a capacitação resultante do curso técnico gere melhoria da remuneração para a população. Em 2020, o salário médio mensal em Araripina era de 1,6 mínimo, o que deixava o município em 93º lugar entre as 185 cidades pernambucanas e em 4.400º entre 5.570 municípios do país, segundo o IBGE.

O programa em Araripina está em linha com o documento “Educação: Preparando os Jovens para o Mundo do Trabalho”, lançado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), parte de uma série de quatro propostas para a eleição deste ano. O documento sugere fortalecer o elo entre ensino básico e formação profissional e traça um diagnóstico da educação no país. A educação profissional e tecnológica é vista pela entidade como “elemento estratégico central para o enfrentamento dos desafios associados à produtividade e à competitividade das empresas brasileiras” e a considera “capaz de assumir papel decisivo” no desenvolvimento econômico e social sustentável do país.

O texto da CNI identifica as falhas na alfabetização como ponto de partida de um processo de acumulação de deficiências. A Avaliação Nacional de Alfabetização de 2016 indica que 55% dos estudantes concluem o 3º ano do ensino fundamental com desempenho insuficiente em matemática e leitura.

É nessa ponta que está situada uma experiência bem-sucedida no Ceará, focada em alfabetização infantil. Com apoio de institutos e fundações ligados a empresas, o programa está sendo “exportado” para outros Estados. A iniciativa tem como base um programa que começou em Sobral, se espalhou pelo estado e levou a 13ª economia do país ao topo do ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O projeto Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração (Parc) começou em 2019 e, apesar da pandemia da covid-19, já envolve 11 Estados, 1.859 municípios e 1.,243 milhão de crianças matriculadas nos dois primeiros anos do ensino fundamental. Com São Paulo, que participa parcialmente, são mais de 2 milhões. A avaliação de fluência feita em 2021 com crianças de dez Estados do Parc indicou que o percentual de não leitores variava de 66% a 81%. A partir da conjunção de esforços é possível articular políticas públicas eficazes que ajudem a vencer os déficits crônicos na educação e contribuam para a redução das desigualdades.

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