quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Fernando Exman - Um maior cuidado com as fronteiras brasileiras

Valor Econômico

Governo Lula quer ampliar “faixa de fronteira” dos atuais 150 quilômetros para 25 quilômetros

Antes, muito antes da guerra desencadeada pelos ataques terroristas do Hamas contra Israel, o governo Lula já queria acelerar a edição de uma medida para aumentar a presença do Estado na chamada “faixa de fronteira”. Sobre a mesa, está a ideia de alargá-la dos atuais 150 para 250 quilômetros.

Considera-se, no governo, uma iniciativa estratégica para a defesa da soberania nacional. Perfeito. Contudo, ela precisa ser bem debatida com os setores econômicos que atuam nessas localidades: o agronegócio é um interessado direto.

Já avançado nos ministérios da Defesa, da Justiça e na Casa Civil, o debate precisará, inevitavelmente, passar pelo Congresso. Mas neste momento, é preciso dizer, não parece estar na lista prioritária dos parlamentares.

Na seara militar, a expectativa é que os senadores deem mais atenção à proposta de emenda constitucional que visa afastar segmentos da caserna da política. A proposta ainda não pegou a tração desejada pelo governo, porém pode ganhar novo fôlego depois da apresentação do parecer da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI do 8 de Janeiro. O texto cita diversos militares.

A Câmara, por sua vez, deve receber a médio prazo os textos atualizados da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa. A necessidade de repensar o posicionamento global do Brasil pode ensejar um debate mais amplo, incluindo o tema da faixa de fronteira.

Atualmente, a Constituição estabelece que a faixa de até 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres é considerada fundamental para a defesa do território nacional. Sua ocupação e utilização são reguladas por uma lei específica e um decreto, embora a própria Constituição estabeleça diretriz sobre a exploração de jazidas, recursos minerais e potenciais de energia hidráulica localizados nessas áreas. É exigida autorização prévia do Conselho de Segurança Nacional para a alienação ou concessão de terras públicas, construção de infraestrutura de transportes, instalação de indústrias estratégicas à segurança nacional e, até, a realização de colonização ou loteamentos rurais.

 

É imensa, como se sabe, a fronteira terrestre brasileira. São mais de 15 mil quilômetros divididos com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname, além da Guiana Francesa.

Considerando-se os 150 quilômetros território nacional adentro, a faixa de fronteira já abrange 588 municípios de 11 Estados - Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro. Por lá vivem milhões de habitantes, em áreas onde multiplicam-se notícias sobre a atuação de facções criminosas, de narcotráfico, comércio ilegal de armas, biopirataria, mineração ilegal, extração e exportação ilegal de madeira, por exemplo.

Do ponto de vista da segurança nacional, acredita-se no governo, a ampliação da “faixa de fronteira” daria maior margem de atuação na Amazônia para as Forças Armadas e forças policiais federais, sem a necessidade de adoção de medidas excepcionais ou de operações para Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). O diagnóstico é que nessas regiões há baixa densidade demográfica, com grande mobilidade transfronteiriça, além de elevados índices de extração desordenada de madeira e minérios, como bauxita e ouro. Não são raras as invasões de áreas indígenas por madeireiros e garimpeiros.

Uma proposta em discussão dentro do governo é incentivar parcerias público-privadas para a geração de emprego e renda a partir da bioeconomia, sobretudo em atividades que envolvam os biomas amazônico, do cerrado e da caatinga. Outro projeto é promover maior integração entre as 33 “cidades-gêmeas”, que englobam municípios divididos pela linha de fronteira, seja ela fluvial ou terrestre.

Fora das áreas de floresta, onde traficantes internacionais e contrabandistas também atuam com facilidade, o desafio do governo será coordenar esses esforços sem prejudicar o agronegócio. Haverá que se olhar, também, para as regiões fronteiriças mais desenvolvidas. Neste caso, o Brasil tem a oportunidade de promover novo dinamismo ao desenvolvimento regional depois da ruptura das cadeias globais de valor.

Nesse contexto, avalia-se a realocação do Programa Calha Norte, que deixaria de ser responsabilidade do Ministério da Defesa e ficaria sob guarda-chuva do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.

O Calha Norte foi criado em 1985 e conectado à pasta da Defesa em 1999, sempre orientado para promover a ocupação e o desenvolvimento ordenado de espaços amazônicos sob a condução dos militares. Nas mãos do Centrão, o programa tende a receber mais emendas parlamentares. Por outro lado, o orçamento da Defesa poderia ser catalisado para os programas estratégicos das Forças Armadas.

Nos últimos dias, as atenções do governo e da opinião pública voltaram-se para os eficientes esforços de repatriação dos brasileiros alcançados pela guerra. Mais do que compreensível. O Brasil também tem uma grande responsabilidade na presidência temporária do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na busca pela paz. Mas há discussões domésticas que não devem ficar apenas para o ano que vem.

 

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