Valor Econômico
Há brechas na oposição a serem exploradas que
são menos comprometedoras do que a aliança incondicional com o STF
Além de solene, era pra ser uma sessão
festiva. O Congresso reuniu a cúpula dos Três Poderes para promulgar a reforma
tributária. Até afagos públicos os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trocaram.
Numa algazarra, os parlamentares governistas
gritavam “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”, para abafar, com sucesso,
aqueles de oposição que concorriam, no mesmo tom: “Lula ladrão”. A cena
traduzia, ao vivo e em cores, a decantada polarização do país, mas até aí, tudo
rimava com o clima de quermesse democrática.
O tom dissonante veio quando o ministro
Fernando Haddad começou a falar. Pela manhã, o ministro, elogiado duas vezes na
fala pública do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos feitos da economia,
queixara-se, a portas fechadas, da corda esticada com o Senado para aprovar a
MP das subvenções.
À tarde, o ministro engatou a nota sem
diapasão. Depois de agradecer a colaboração dos presentes para a reforma, o
ministro encarrilhou um apelo público ao Supremo Tribunal Federal tendo ao seu
lado o ministro Luis Roberto Barroso.
Resumiu, à luz do dia, as fricções do arranjo institucional vigente: “A partir deste momento, esta emenda tem um guardião que é o STF. Contamos com o ministro Barroso para que esta emenda seja recebida com a generosidade que merece para que possamos consolidar esta reforma ao longo dos anos. Para que a litigiosidade dê espaço ao entendimento e à concórdia, à transparência e à justiça tributária. E que os empresários possam concorrer entre si em igualdade de condições (...) sem jabutis, sem pautas bomba”.
Em cinco minutos, Haddad escancarou as razões
pelas quais Lula cultiva proximidade com o STF e cobrou continuidade para que a
reforma não se esvazie na regulamentação. O plenário, até então reativo,
silenciou ante a exortação da Corte com a qual passou o ano às turras. Barroso
manteve o cenho inalterado.
Horas antes, Barroso tinha soltado nota em
que informava manter “relação amigável” com Lula, “embora atue com
independência em relação ao governo”. Na noite anterior, Barroso havia recebido
Lula e a primeira-dama, Janja da Silva, para jantar na companhia dos ministros
e respectivas cônjuges.
Não é segredo que o Executivo, a despeito dos
11 partidos da Esplanada, depende do STF para governar. Incomum é a admissão
pública da equação. Até porque não é uma aliança livre de fricções. Durante a
reunião com os ministros, Lula queixou-se da peleja que é para retirar gastos
sociais dos limites estabelecidos pelo arcabouço fiscal ante a facilidade com
que o STF acatou o pagamento de precatórios extrapolando estas mesmas regras.
“Muitos advogados vão ter um feliz Natal”, ironizou.
Foi durante esta reunião, porém, que
aconteceu a nota mais dissonante do dia de celebrações. Ao deixarem a reunião,
os ministros se depararam com duas decisões do ministro Dias Toffoli. A
primeira perdoa uma multa de R$ 10 bilhões aplicadas pelo acordo de leniência
do Ministério Público Federal com o grupo J&F. A segunda derruba um acórdão
do TCU que pôs fim ao quinquênio da magistratura, com um efeito cascata ainda
não dimensionado.
O ministro, que peleja para quebrar o gelo
com o presidente - e colecionou mais um insucesso na noite de terça - impôs um
ônus fiscal ao Executivo, mas escancarou outro problema que ainda desnorteia o
governo.
O poder sobre o qual está ancorado o
Executivo, como explicitou Haddad, é capaz de tomar decisões de costas para a
República, no que não se distingue dos parlamentares que cantaram o hino de
costas para a mesa diretora do Congresso.
Em que outra posição se pode colocar aquele
julgamento que, em agosto deste ano derrubou a regra do Código de Processo
Civil sobre o impedimento de juízes? Foi graças a esta decisão que Toffoli pôde
julgar o caso da J&F, que tem, entre seus advogados, a esposa do ministro,
Roberta Rangel, também comensal do jantar com Lula.
Seis ministros acompanharam o voto do
ministro Gilmar Mendes, escancarando a porteira do STF para a parentela de
advogados: Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André
Mendonça e Cristiano Zanin. Ficaram vencidos Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen
Lúcia e Barroso.
A decisão baseia-se nos erros da Lava-jato
quando a operação em questão (“Spoofing”) partiu de procuradores do Distrito
Federal e foi autorizada por Vallisney Oliveira, juiz de reputação intocada e
sem relação com os aloprados de Curitiba.
A decisão ainda joga no colo da
Controladoria-Geral da União a decisão de rever a leniência. E enrosca ainda
mais o governo com um grupo que parece disposto a atuar como braço da
diplomacia presidencial na Venezuela - desde o contrato com a hidrelétrica de
Guri, cuja economicidade ainda está por ser provada, até os negócios
perscrutados naquele país, do petróleo ao minério de ferro.
Durante a semana, circulou vídeo em que o
senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) discutia com um deputado
bolsonarista-raiz que havia veiculado escracho de sua atuação na sabatina de
Flávio Dino.
Nesta arguição, Mourão perguntou a opinião do
ministro sobre o código de ética da Suprema Corte dos EUA. A pergunta, feita
com urbanidade, foi respondida no mesmo tom. Este código, assim como a regra do
CPC derrubada, impedem conflitos de interesse como o de Toffoli. Há brechas na
oposição a serem exploradas que são menos comprometedoras do que a aliança
incondicional com o STF.
Um comentário:
Enfim,uma barafunda!
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