Folha de S. Paulo
Quem perde e quem ganha com a alteração
regimental da corte?
A dinâmica institucional futura no país
dependerá do que vai acontecer com o recente protagonismo hiperbólico do STF. A
decisão do ministro Gilmar Mendes autorizando gasto para o Bolsa Família fora
do teto constitucional introduziu novo padrão de intervenção da corte na área
fiscal, jogando por terra boas práticas em torno de regras fiscais e
"hard-budget constraints".
Foi uma liminar, mas seus efeitos sobre o jogo político são claros. Há muitas
decisões similares fora da seara fiscal protagonizadas pelo ministro Alexandre
de Moraes. Na mesma semana, o STF
anunciou mudanças substantivas no seu regimento interno, às vésperas
da investidura do novo presidente.
Os poderes delegados em 1988 ao STF foram vastos: "Poucos textos
constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, de modo
singular, no STF", afirmou com razão Sepúlveda Pertence, ex-presidente da
corte e então procurador-geral da República, quando da promulgação da Carta.
Tais poderes expandiram-se ainda mais, sob FHC, com apoio do Poder Executivo, o
que culminou com a nova prerrogativa da corte "modular" decisões (lei
6.898/99). O Legislativo também expandiu paulatinamente seus poderes, limitando
a emissão pelo presidente de MPs e tornando as emendas individuais e de bancada
impositivas.
Com Bolsonaro, o STF deparou-se com um trilema existencial: apoiar a Lava Jato,
conter o presidente ou ambas as alternativas. O STF escolheu a segunda, rompendo
a aliança STF-Executivo, compondo estrategicamente com o Legislativo.
Como se comportará o STF sem Bolsonaro? O assunto terá uma análise específica.
A alteração regimental é consequência da era Bolsonaro. Ela reduzirá a
incerteza das decisões individuais e reafirma o poder da maioria na corte. Sua
reputação sairá fortalecida. Quem perde com elas? Todos os ministros perdem o
poder unilateral de veto, mas as perdas irão se concentrar nos ministros
minoritários associados à oposição ao novo governo.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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