O Globo
MP que desonera combustíveis expõe a
dificuldade que presidente terá em aliar equilíbrio fiscal e políticas sociais
Os discursos de posse de Lula, no Congresso
e no Parlatório, foram impecáveis. Nada do que interessa foi esquecido. Estava
lá o apelo à união nacional. Como em 2003, o presidente falou da sua obsessão
em acabar com a fome no Brasil. Deu também o destaque devido à questão
ambiental. Enfatizou a chaga que é a desigualdade absurda do país. Lula
reservou ainda um espaço generoso para a obrigatória pauta da inclusão e da
diversidade — neste sentido, pela primeira vez uma posse presidencial tem a
cara do século XXI.
Os dois textos, lidos em cerca de uma hora
no total, por um Lula com voz firme são, portanto, peças bem escritas,
abrangentes e acertam ao tentar mandar o recado de que a “disputa eleitoral no
Brasil acabou”.
Quatro anos atrás, o presidente que tomava posse jogava na cara dos brasileiros um discurso noutro tom. Não pronunciou uma mísera vez as palavras “desigualdade” e “fome”. Nem que fosse por formalidade pregou a união nacional. Em vez disso, despejou à plateia temas inéditos numa cerimônia de posse: Jair Bolsonaro chegou a proclamar que aquele era o dia em que o país “começaria a se livrar do politicamente correto” e que um dos seus objetivos era o “combate à escola sem partido”. Eram essas algumas das prioridades.
O avanço, ao menos de propósitos, é
inegável. Mas não basta. Na vida real, o buraco é mais embaixo. O próprio
discurso de Lula no parlatório dá uma pista disso.
Já no terço final de sua fala, o presidente
disse que “é hora de voltar a cuidar do Brasil e (...) baratear o preço dos
alimentos”.
Menos de duas horas depois de externar esse
desejo, Lula assinou um dos seus primeiros atos como presidente, a Medida
Provisória que mantém a isenção de impostos federais sobre os combustíveis. A
desoneração do diesel foi prorrogada por mais um ano. Para a gasolina, mais
dois meses.
E o que isso tem a ver com “baratear os
alimentos”?
A MP foi o primeiro revés de Fernando
Haddad como ministro da Fazenda. Em nome do equilíbrio fiscal, Haddad era
contra a prorrogação. O núcleo político do governo, no entanto, era favorável à
edição da medida. Temia que o aumento do preço dos combustíveis (que empurraria
para cima o preço dos alimentos que Lula prometeu baratear) desgastaria o
presidente já na largada do seu mandato. Nesta disputa, Lula arbitrou
desfavoravelmente ao seu ministro mais importante.
Este episódio revela um Lula 3 com um temor
que o Lula 1 não parecia ter. Sobretudo entre 2003 e 2005, com Antônio Palocci
na Fazenda, o presidente topou um aperto nos gastos que obviamente não
resultavam em ganhos de popularidade naquele momento. Mas bancou uma política
econômica mais ortodoxa e colheu os frutos dela mais à frente
Agora, talvez pela percepção de que hoje a
paciência do brasileiro é menor, não topou bancar esse risco de uma queda em
seus índices de aprovação já nos primeiros dias de governo. Aparentemente, o
seu tino político indica que não é hora de gastar o seu cacife tão cedo.
Bolsonaro pode estar nas vizinhanças da
Disney, mas não está morto. Depois dos dois discursos de ontem, mais do que
nunca o capitão parece cheirar a naftalina. Mas para que essa naftalina não
volte a atormentar o Brasil, é obrigatório que a inflação esteja sob controle,
a economia cresça e a renda do trabalho aumente.
Uma derrota do ministro da Fazenda já no
primeiro dia não é determinante para nada. Mas é um sinal de que a palavra de
Haddad ainda não é ouvida por Lula como palavra final. Dependendo de como as
coisas evoluam, é um problema.
2 comentários:
Expõe também a permanente subserviência do autor (autor?)
A queda no preço dos alimentos e o aumento do salário mínimo,é isso que importa para o povo.
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