Na disputa pela liderança no primeiro turno, presidente e candidato
socialista representam visões de mundo antagônicas
Andrei Netto
Jeannette B.T., de 67 anos, deixava a estação de metrô Convention, em um
bairro de classe média no sul de Paris, na quinta-feira, quando foi abordada
por um universitário de 24 anos que lhe oferecia um panfleto do Partido
Socialista (PS). "Só os estúpidos votam em François Hollande",
respondeu a senhora, recusando a oferta com gentileza parisiense.
"Tenho tanto medo de ele ser eleito que não vou ver os resultados. Será
uma catástrofe para a França", acrescentou. Sem se intimidar, o jovem
respondeu: "Em matéria de catástrofe, será difícil superar Nicolas
Sarkozy, madame. Eu farei parte dos estúpidos que tentarão outro caminho".
É nesse clima de medo, esperança e rivalidade entre direita e esquerda que
43 milhões de eleitores vão às urnas hoje, no primeiro turno das eleições
presidenciais na França. Nunca, desde os enfrentamentos entre François
Mitterrand e Jacques Chirac, nos anos 80, e da queda do Muro de Berlim, os
franceses foram chamados a arbitrar discursos tão antagônicos quanto os de
Hollande e Sarkozy, um clássico entre progressistas e conservadores.
O clima de maniqueísmo que paira em Paris tem como pano de fundo a crise das
dívidas na Europa, iniciada em 2009. Quinta maior potência mundial e segunda da
zona do euro, atrás da Alemanha, a França sofreu no mês de janeiro o
rebaixamento de sua dívida pública -até então avaliada como AAA, a nota mais
elevada possível - pela agência de rating Standard & Poor"s.
Desde então, teme-se que o país seja envolvido pelo turbilhão que já
arrastou Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e ameaça implodir a zona do
euro.
As razões para o medo são concretas. A França registra déficit público de
5,2%, sua dívida pública chega a 87% do Produto Interno Bruto (PIB), seu crescimento
é raquítico, de 0,2% no quarto trimestre de 2011, e sua taxa de desemprego
chega a 9,8% da população ativa e a 25% entre jovens. Mesmo apresentando essa
credenciais, Sarkozy apresenta-se na campanha de 2012 com uma plataforma com
base na austeridade fiscal e como o único fiador da estabilidade contra o caos.
"Uma vitória de Hollande colocaria a França de joelhos", alertou o
chefe de Estado.
Hollande adota o discurso da "esperança" e aposta na receita
contrária para tirar o país do buraco: controle das contas sim, mas com
prioridade ao crescimento. Com um forte discurso de esquerda, propõe taxar em
75% os salários anuais superiores a € 1 milhão, contratar 60 mil professores -
quando seu oponente reduz o funcionalismo - e a reestabelecer a aposentadoria
aos 60 anos para quem tinha direito adquirido. "Cada geração tem uma
responsabilidade. A hora é agora de vocês tomarem a decisão de mudar",
afirmou na sexta-feira.
O surpreendente é que, mesmo com essa plataforma, o socialista obteve o
elogio do jornal britânico Financial Times. "É encorajador que um número
crescente de políticos, incluindo Hollande, defenda uma estratégia de
crescimento para a Europa", disse a publicação, em editorial que criticava
Sarkozy.
Maniqueísmo. O antagonismo segue em todas as áreas. Se o atual governo era
conhecido pela isenção fiscal às grandes fortunas, o socialista propõe taxá-las
para aliviar a carga sobre a base da pirâmide. Se Sarkozy promete reduzir em
50% a imigração ilegal, Hollande defende a regularização de parte dos
estrangeiros ilegais.
"A opinião pública vê grandes diferenças nas propostas de ambos",
diz o cientista político Émmanuel Rivière, do instituto TNS-Sofres. "Há
uma fronteira direita-esquerda que se aplica a quase todos os temas: economia,
emprego, Estado, imigração, homossexualismo."
Nessa disputa de conceitos, quem chega com curta vantagem é Hollande. Se os
prognósticos dos institutos de pesquisa estiverem corretos, o candidato
socialista deve obter entre 27% e 30% dos votos, contra 25% a 27% de Sarkozy.
As explicações para o eventual fracasso eleitoral de um presidente
respeitado no exterior, como Sarkozy, passam por sua personalidade.
Centralizador, ele rompeu com a liturgia do cargo de presidente em 2007 e
enfraqueceu o premiê, François Fillon. Expôs-se na política e na vida pessoal,
com um estilo "novo rico" rejeitado pelos franceses.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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