Modernos instrumentos de sondagem eleitoral fazem com que as pesquisas de
intenção de voto assumam centralidade muitas vezes descabida. Partidos, candidatos
e eleitores movem-se em torno delas, que se transformam em elementos de
propaganda eleitoral. Mas, um surrado clichê parece mesmo fazer sentido: a
pesquisa que vale é a das urnas, no dia da eleição. Fora disso, pesquisas são
como fotos, retratam o momento. Eleição é filme, permanente movimento.
No filme desta eleição, José Serra ponteou inicialmente e surgiu como
favorito. Mas suas dificuldades são maiores que o esperado; o recall é o das
promessas não cumpridas fazendo carregar um quase recorde de rejeição. Depois,
Celso Russomanno disparou, aproveitando-se do fastio com a disputa PT X PSDB,
deu vigorosa largada. Mas, sangra, agora, na linha de chegada. Paralelamente,
Fernando Haddad, apesar dos padrinhos e da TV, patina abaixo dos índices PT, talvez
porque o PT não seja mais o mesmo.
Ao final, o clímax da fita é o despencar de Russomanno. É um corpo que cai.
Serra e Haddad estão por um focinho; e até Gabriel Chalita começou se deslocar
com alguma esperança. Tudo ficou imprevisível. Na vertigem dos números, não se
sabe quem irá ao segundo turno. O passaporte de Russomanno estava carimbado,
mas tudo caminha para que lhe cancelem o visto.
Difícil explicar, mas é necessário compreender. Em primeiro lugar, nada
indica que o cansaço com PT e PSDB tenha sido superado. Mesmo que Serra e
Haddad ultrapassem Russomanno, somam menos da metade do eleitorado. Ademais,
Gabriel Chalita tem crescido com um discurso de outsider. Em que pese o tamanho
de suas máquinas, a maioria ainda não vê PT e PSDB como alternativas.
Então, o que pode ter se passado para que movimentação tão expressiva
ocorresse e o candidato do PRB desidratasse tanto e tão rápido?
Celso Russomanno navega nas águas do conservadorismo e da religião. Mas,
dizer que são os conservadores que o abandonaram ou que foi a ação da Igreja
Católica que o afetou reduz a abrangência do fenômeno; José Serra, mais
palatável a esses setores, não tem subido na proporção da queda de Russomanno.
Há também os ressentidos com o mercado, que buscam no astro da TV uma espécie
de Procon pessoal: não houve conflito nem candidato que se aventurasse por essa
vereda. Esse público ainda lhe parece fiel.
Sobra-nos o enorme segmento dos carentes de políticas públicas, altamente
dependente da ação do Estado. E, nesse campo, houve, sim, um fato: salvo
engano, foi no debate da TV Gazeta que Fernando Haddad descobriu e acertou o
"queixo de vidro" de Russomanno: apontando a inconsistência de sua
tarifa proporcional, deixou patente que o adversário não entendia do riscado. A
partir de então, houve uma avalanche de críticas: o candidato do PRB perdeu a
majestade.
Para não dar o braço a torcer, Russomanno insiste na qualidade de suas
"teses" (sic); o faz com incomum veemência. Mas, ao mesmo tempo,
procura coordenador respeitável para seu eventual plano de governo. A
insistência e a virulência com que se defende nessa área revelam mais do que
ocultam: o gancho no queixo o deixou atordoado.
Pesquisas qualitativas poderão demonstrar se a hipótese se sustenta; o
quanto a preocupação com a qualidade das políticas públicas pode, realmente,
influenciar um determinado tipo de eleitor, fazendo-o mover-se para portos mais
seguros: as políticas públicas de Serra e do PT podem não ser solução, mas ao
menos foram testadas.
A carência de boas políticas públicas não é novidade em São Paulo. Todavia,
que uma parte da população supere ideologias e conflitos, buscando resguardar
interesses mais imediatos, isto, sim, parece notável numa campanha que se
esmerava pelo personalismo. Ainda que não se trate de politização, o
pragmatismo não deixa de ter valor. Talvez as cenas do próximo capítulo
insinuem algum avanço.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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