Entre os desserviços que o ministro Ricardo Lewandowski está prestando no
julgamento do mensalão, talvez o mais nocivo seja a tentativa de desacreditar o
STF nos seus comentários paralelos. Certa vez classificou o julgamento como
"nada ortodoxo", sugerindo que estavam sendo esquecidas
jurisprudências e relegadas medidas de proteção aos réus definidas na lei.
Ao anunciar, na abertura de seu voto que absolveria o ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu, que se punha ao lado de "princípios fundamentais"
do processo penal moderno, que se constituiu em "marco civilizatório
importantíssimo, instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado",
Lewandowski atirava sobre seus pares a suspeita de que não seguiam as mesmas
regras ao condenar "inocentes" como o ex-presidente do PT José
Genoino e Dirceu. Chegou a dizer "repudiar a perspectiva que considera o
réu como inimigo". Esquecendo-se de que os réus, esses sim, representavam
o "arbítrio do Estado", pois faziam parte fundamental do governo
petista sob o qual a trama criminosa foi armada e executada, segundo a
denúncia, a partir de gabinetes do Planalto.
A maioria do plenário, no entanto, demonstra estar bastante convicta de suas
posições, sendo exemplo disso os resultados acachapantes das condenações. E,
sempre que podem, os ministros rebatem as insinuações de que estariam
flexibilizando a legislação, com inovações no julgamento que reduzem a garantia
constitucional dos acusados.
O revisor disse, em seu voto de anteontem, que a maioria teria decidido pela
desnecessidade da indicação do ato de ofício para provar-se a culpa de um réu,
no que foi prontamente rebatido por Gilmar Mendes, que afirmou que o STF havia
identificado, sim, atos de ofício dos políticos acusados de corrupção passiva:
os votos e a participação em reuniões. E Celso de Mello lembrou que o
Ministério Público "indicou que todo esse comportamento se realizou no
contexto, pelo menos, de duas grandes reformas: a previdenciária e a
tributária".
Da mesma maneira, a condenação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha
por corrupção passiva teve por base o dinheiro recebido de Marcos Valério,
tendo o petista praticado o "ato de ofício" de convocar a licitação
que resultou na vitória da agência do publicitário corruptor.
Rosa Weber, citada pelo revisor como adepta da tese da desnecessidade de
identificação do ato de ofício, afirmou considerar que houve, sim, compra de
votos. Ela citou autores para defender a tese de que um réu pode ser condenado
mesmo à ausência de provas testemunhais ou de documentos. Chegou a dizer que os
indícios "gritam nos autos". Também esclareceu sua posição sobre uma
maior elasticidade na admissão da prova em caso de crimes dessa natureza, os
"crimes de poder", "que em absoluto implica em qualquer
flexibilização de garantias constitucionais aos acusados". Para ela,
"o ordinário se presume. Só o extraordinário se prova. (...) se ocorrem
fatos ou circunstâncias tão intimamente ligadas que chegam a formar um
convencimento de que o acusado tenha cometido o crime, esses indícios também
serão provas tão claras como a luz".
Luiz Fux lembrou acórdão da Suprema Corte de Portugal no sentido de que a
prova nem sempre é direta. "Nós juízes nos valemos de regras de
experiência. Será que nestas condições seria possível não saber?",
ressaltou, lembrando que anteriormente Ayres Britto havia utilizado o mesmo
raciocínio.
A sombra de Lula
Poucos notaram, mas na quinta-feira houve diálogo em que a figura do
ex-presidente Lula esteve presente de maneira velada:
Lewandowski : Eu não via a prova. Eu gostaria de ver a prova. Estou dizendo
que há uma prova frontalmente contrária
Marco Aurélio: Vossa Excelência imagina que um tesoureiro de um partido
político teria essa autonomia?
Lewandowski: Ao contrário do que já foi dito, eu não acredito em Papai Noel,
mas disse que é possível que eles tenham cooperado a mando de alguém, mas esse
alguém precisa ser identificado.
Marco Aurélio: Esse alguém não estaria denunciado no processo?
Lewandowski : Não, não é isso...
Fonte: O Globo
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