Os historiadores terão dificuldades para explicar como foi possível a
sociedade brasileira desprezar tanto suas crianças.
Como foi possível a sexta economia do mundo não ser capaz de cuidar decente
e competentemente de suas crianças, deixando milhões delas fora da pré-escola,
sabendo que centenas de milhares de mães são obrigadas a deixar seus filhos na
primeira infância sob os cuidados de outros filhos, às vezes com 10 anos de
idade, retirados da escola para este trabalho.
Por que esta rica sociedade ainda tem fora da escola 3,5 milhões dos seus 50
milhões em idade escolar? E aqueles matriculados que, em sua grande maioria não
frequentam, não assistem, não permanecem na escola e não aprendem? Por que
apenas 40% terminam o ensino médio, e em cursos sem qualificação? Como foi
possível tratar tão desigualmente a infância conforme a renda dos pais? E como
explicar que, em pleno século XXI, centenas de milhares de meninos e meninas
fiquem nas ruas do Brasil e cerca de 100 mil submetidos a exploração sexual? E
como será possível explicar daqui a 20 anos que, nos últimos 20, pelo menos 10
mil crianças tenham sido assassinadas, uma média de 14 por dia?
Os historiadores ficarão perplexos quando descobrirem que esse quadro
persiste, apesar de o Brasil comemorar o Dia da Criança, em 12 de outubro,
desde 1924.
Alguns historiadores dirão que o maltrato e o abandono são lendas criadas
sobre o passado. Outros darão explicações culturais: o imaginário egoísta e
imprevidente da população brasileira, com alta preferência sobre o consumo
material no presente, um povo que não respeita a atividade intelectual nem
considera riqueza o acúmulo de conhecimento. Outros se limitarão a dizer que a
sociedade dividida por uma histórica apartação social cuidava dos poucos filhos
da minoria rica, deixando de lado as massas de crianças, filhas de pobres.
Os historiadores terão dificuldades de explicar a indecência do abandono e
estupidez, o sacrifício do maior potencial que uma sociedade dispõe: seu
futuro, sob a forma de sua infância.
Mas uma coisa os historiadores terão de reconhecer: o quadro de violência,
ineficiência, corrupção, desigualdade e atraso civilizatório em 2012 decorre da
forma como foram tratadas as crianças de antes.
O Brasil de hoje é o país construído pelas crianças de ontem; e o Brasil de
amanhã tem a cara da maneira como tratamos nossas crianças de hoje.
Se quisermos um bom futuro para o Brasil, é preciso cuidar das crianças do
presente, de uma maneira diferente daquela do passado. Como diz a ex-senadora
Heloisa Helena: "O Brasil precisa adotar uma geração de suas crianças, do
pré-natal ao fim do ensino médio de qualidade para todos." Essas crianças
adotadas hoje adotarão o Brasil amanhã. O futuro do Brasil seria os cuidados
delas para com o país, uma retribuição espontânea do que receberam no passado.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário