Há pouco, sem muita conversa, Dilma vetou cortes de impostos da cesta
básica. Sabendo a carga tributária, os brasileiros teriam reclamado? Se sim,
seria ótimo
Você sabia quanto paga de imposto toda manhã? Por exemplo: 17% no preço do
pãozinho, 37% na pasta de dentes, 35% numa camisa, 41% na gasolina. Tudo isso
para chegar ao trabalho sorridente e descontar 18% de imposto de renda e
previdência de um salário de R$ 5.000 no fim do mês.
Os opositores do projeto de lei que manda informar a incidência de impostos
na nota das mercadorias acham que você não precisa saber ou em todo caso não
deveria se chatear com isso todo santo dia. Preferem não jogar sal na sua pele
esfolada de contribuinte.
Não sei se a entrada em vigor dessa lei criaria um clamor coletivo pela
redução de impostos, como uns temem e outros gostariam. Mas há mais em jogo aí
do que o tamanho da carga tributária.
Que país nós queremos: um Estado de direito democrático com
cidadãos-contribuintes cada vez mais informados e exigentes? Ou uma
semidemocracia plebiscitária com clientes mais ou menos agradecidos pelos
favores do Estado, em vez de cidadãos? Se é o primeiro, uma dose diária de
informação sobre impostos viria bem.
O sociólogo americano Charles Tilly, no seu livro "Democracia",
mostrou como diferentes formas de financiamento do Estado têm consequências
políticas diferentes.
Quando precisa arrecadar impostos, o soberano tem que negociar com seus
súditos. Eventualmente, pode trocar tributação por representação, como no
famoso pacto entre o rei da Inglaterra João Sem-Terra e seus barões (1215),
considerado a certidão de nascimento da monarquia constitucional inglesa.
Quando o soberano conta com outras fontes de financiamento, os súditos podem
achar mais difícil arrancar concessões políticas dele.
Pense nos modernos autocratas dos países exportadores de petróleo. Ou na Coroa
portuguesa, que terminou a Reconquista (1249) dona de quase todo o reino de
Portugal, deixando sua aristocracia à míngua de terra e cacife político. Vem
daí, segundo Raymundo Faoro, a renitente tradição centralista patrimonialista
luso-brasileira.
Não somos, felizmente, nenhum reino nem república petroleira. A Petrobras é
grande, mas não é, assim, uma PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo,
proporcionalmente ao PIB brasileiro.
O Brasil resolveu se democratizar, mas ainda tropeça em restos do patrimonialismo.
A própria Constituição de 1988 é ambígua. Prevê equilíbrio fiscal mas embute
pérolas como "a saúde é direito de todos e dever do Estado", como se
esse fosse uma fonte de recursos descolada dos cidadãos-contribuintes.
A ambiguidade atravessa a sociedade. Cidadão-contribuinte, quem? Os ricos e
pobres afeiçoados aos favores estatais (crédito subsidiado, benefícios fiscais,
emprego público bem remunerado para uns, Bolsa Família para os outros)? Ou as
classes médias que tentam erguer o estandarte da cidadania entre essas duas
alas de clientes do poder?
Os ricos e a classe média mais escolarizada sabem quanto custa a máquina do
Estado. Os pobres e emergentes têm direito de saber.
O que eles vão fazer com essa informação, não sei prever exatamente. Talvez
queiram, sim, menos impostos sobre a cesta básica, por exemplo. Há uns meses, a
presidente da República vetou sem muita conversa uma emenda que suprimia esses
impostos. Teria que se explicar melhor se a massa dos consumidores soubesse
quanto está perdendo.
Ou talvez nossa cidadania emergente, sabendo quanto paga, se sinta no
direito de cobrar serviços em quantidade e qualidade correspondente. O que
seria um bom problema para as nossas instituições democráticas. Aliás, um ótimo
problema.
E não digam, por favor, que especificar essa conta vai fundir os
computadores do fisco.
Eduardo Graeff, 62, é cientista político. Foi secretário-geral da
Presidência da República (gestão Fernando Henrique Cardoso)
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