Vandson Lima
SÃO PAULO - "Muitas vezes jovens me dizem "eu quero militar no
PSDB". E eu me pergunto: o que eu faço com ele? Vai ser do gabinete de
alguém? Isso não é militância. Militar é com a sociedade, na rua, no núcleo de
trabalho. É ali que tem de estar o PSDB se quiser ter organicidade". Assim
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu sua angústia em relação ao
futuro do PSDB.
FHC participou de um encontro com os 176 prefeitos tucanos eleitos em São
Paulo, que contou ainda com outras passagens notáveis: um Geraldo Alckmin, governador
de São Paulo, inesperadamente engraçado alertando a prefeitos que estes devem
aprender a "se virar" no cargo, em vez de esperar que outros poderes
lhes ajudem; e José Serra, candidato derrotado na disputa pela sucessão
paulistana, que chegou de surpresa, só que tão atrasado que a programação já
havia se encerrado.
Logo de início, o presidente estadual do PSDB, deputado Pedro Tobias,
criticou o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), aliado na disputa pela
capital, mas que tão logo a eleição terminou, colocou-se como parceiro do
eleito Fernando Haddad (PT). "Aliado como esse nós não queremos mais. O
Kassab só chegou a ser prefeito por causa do PSDB. Mal acabou a eleição, foi
com o PT. Acredito até que foi antes da eleição terminar", acusou.
Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Barros Munhoz (PSDB)
tocou em assunto delicado ao alertar a sigla sobre o desgaste causado por 20
anos de governo tucano no Estado e, consequentemente, para as dificuldades que
Alckmin deve enfrentar ao concorrer à reeleição em 2014. "Depois de 20
anos, até a gente enjoa da gente. O poder desgasta a essência como
partido". Causou ainda burburinho ao dizer aos prefeitos: "O grande
inimigo que vocês vão enfrentar é o Ministério Público. Eu não tenho medo de
dizer. Fazem perseguição política e não há quem os puna".
Em sua palestra, a mais aguardada do dia, FHC defendeu que o PSDB se abra
aos jovens e às mulheres e fale de maneira clara à população. O ex-presidente
fez críticas ao uso da legenda para atender às vontades de alguns em detrimento
do que é melhor para o partido. "Não podemos mais basear nossas escolhas
na vontade de cada um". Da mesma forma, mostrou-se descontente com a
costura de alianças "tortas", sem lastro ideológico: "Ganhar ou
perder faz parte da eleição. O que não pode é fazer alianças tortas, porque aí
se perder a eleição você perde tudo."
FHC também clamou que o partido volte a ouvir a "voz das ruas".
"Precisamos ter seminários, mas para ouvir, chamar as pessoas para que
elas nos digam o que elas sentem, o que querem e como veem o mundo para que
possamos ajustar o nosso discurso", defendeu. O evento ocorria no Jockey
Club, local onde a elite paulistana se diverte apostando alto em corridas de
cavalos.
Não foram poucos os novos prefeitos tucanos que reclamaram dos preços
praticados nos restaurantes do local e proximidades. Vindos em muitos casos de
cidades pequenas, vários aproveitaram a oportunidade para tirar fotos com os
correligionários ilustres e, não raro, pediam a repórteres para que os fotografassem
com a pista do Jockey ao fundo.
Chamado a encerrar o evento, o normalmente contido Alckmin fez uma palestra
bem humorada na qual falou até palavrão. De início, alertou os eleitos que
"política é que nem mosca no mel: atrai tudo que é picareta, safado
querendo vender coisa para o governo". Prefeito que achar que governo
estadual ou federal vai resolver os problemas das prefeituras, afirmou o
governador, "já começou errado". "Dia desses, estava fazendo a
barba no banheiro e ouvindo a televisão. Os repórteres cobravam um prefeito da
região de Sorocaba porque tinha caído uma ponte na zona rural há dois meses. E
ele respondeu "ah, eu vou pedir para o governador, tenho certeza que ele
vai ajudar". E eu pensando "p*, não é possível, é prefeito e não arruma
uma ponte? É muita acomodação".
Para Alckmin, os novos governantes municipais têm de assumir a gestão já
sabendo onde cortar gastos. "Senão, vocês vão só varrer rua por quatro
anos", alertou.
No fim, enquanto Alckmin posava para fotos com os presentes, Serra chegou
para surpresa de todos. "Peguei um baita trânsito de 40 minutos",
justificou. Sua presença não era aguardada, tanto que a direção divulgara que
ele estava em viagem. "Vou à Europa nos próximos dias", contou. O
tucano não quis falar de política nem deu pistas sobre seu futuro. "Ainda
não estou afim de falar."
Fonte: Valor Econômico
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