Nelson Rodrigues deixou centenas de frases definitivas, você sabe. Mas
Nelson morreu em 1980, e o mundo seguiu sem ele. Daí que, diante de algum novo
escândalo nacional, sempre me perguntam o que ele diria se ainda estivesse por
aqui. Respondo que esse é um tipo de suposição em que ninguém me pega -tentar
adivinhar o pensamento de Nelson Rodrigues. Mas a política é dinâmica e, de
repente, talvez até algumas frases de Nelson tenham de ser revistas.
Sobre Brasília, por exemplo -não a cidade, mas o poder-, ideal para o
planejamento e prática de atos ao largo da nação. Em 1969, Nelson afirmou que
lá "todos são inocentes e todos são cúmplices" -frase que, com a
ressalva de um ou outro breve intervalo de decência, atravessou décadas e
chegou até nós. Pois pode deixar de se aplicar, agora que o processo do
mensalão abriu a tampa do vaso e expôs os "malfeitos" que uma rede de
cúmplices produziu e deixou para trás.
Já outra antiga imagem de Nelson, adaptada ao noticiário recente, tornou-se
materialmente visível: a de que a corrupção no Brasil "pinga do teto e
escorre pelas paredes". Só assim Rosemary Noronha, simples secretária de
certo órgão, poderia nomear pessoas para cargos tão acima de sua posição na
hierarquia. O único a não se espantar com isso talvez fosse Nelson. Para ele,
não havia pessoa insignificante: "O mais humilde mata-mosquito pode se
julgar um Napoleão, um César, e agir de acordo". Como tinha costas
quentes, Rosemary convenceu-se de que era a Cleópatra de si mesma.
E, ao ouvir os protestos vociferados de ex-grandes nomes da política contra
suas condenações, alegando uma inocência de vestais, vem-me a imagem de Millôr
Fernandes: "o rabo escondido, com o gato de fora".
Muito boa mesmo, exceto por não fazer jus à inteligência e à integridade dos
gatos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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