Continente tende ao continuísmo, com uma única exceção
Continua ventando forte na América Latina, mas o pêndulo político parece se mover mais devagar na safra de eleições dos próximos dois anos que se avizinham. Depois das guinadas nas disputas do Chile, Paraguai, México e a frágil vitória de Nicolás Maduro na Venezuela, o pêndulo oscila muito lentamente entre a esquerda e a direita, próximo a parar em sua destinação natural no centro. A continuidade é a tendência predominante, ainda que o ar tenha se tornado rarefeito para os governantes no último ano.
Mesmo desgastados pela deterioração econômica e protestos de rua, os presidentes da Colômbia e do Brasil entram no ano eleitoral como favoritos para se reelegerem.
Tanto Juan Manuel Santos quanto Dilma Rousseff oscilam entre 40% e 50% de intenção de voto. Perderam quase tudo que ganharam em seu capital de apoio popular após as eleições de 2010, mas se beneficiam pelo processo de renovação que passa a oposição nos dois países. Nem Oscar Zuloaga e Clara Lopez na Colômbia, ou Aécio Neves e Eduardo Campos no Brasil, conseguiram até o momento captar um amplo contingente de desiludidos: pelas pesquisas, há um vão de 16 pontos percentuais entre o ponto mais alto da popularidade de Santos e agora, e de 15 pontos percentuais entre o pico e o ponto atual no caso de Dilma. A Colômbia renova a Presidência em maio, cinco meses antes do Brasil.
Sucesso de público externo mas não tão apreciado em seu próprio território, onde a liberação da maconha não é uma bandeira popular e a inflação bordeja 10% ao ano, o uruguaio José Mujica deve ser sucedido por seu antecessor e patrocinador em 2006, o ex-presidente Tabaré Vasquez, na eleição que se celebra em novembro. Em uma pesquisa divulgada em dezembro, o ex-presidente obteve 41% das intenções e seus adversários somados, 45%. Não há muitas dúvidas de que Tabaré é o favorito, mas a arrancada relativamente baixa coloca em dúvida a obtenção da maioria parlamentar da governista Frente Ampla nas duas casas, de acordo com especialistas locais.
Na safra das próximas disputas, há dois pontos fora da curva: na Bolívia o presidente Evo Morales demonstra fortaleza política superior à de todos seus vizinhos e a Argentina desenvolve o único processo que caminha claramente para uma renovação política.
Evo garantiu na justiça o seu direito a tentar uma nova reeleição este ano, ainda que a Constituição boliviana limite a recondução a um único mandato. As pesquisas o colocam na faixa de 43%, mas com uma oposição muito atomizada, em que os dois principais candidatos, Samuel Doria Medina e Rubén Costas, transitam na faixa entre 10% e 15%. A conflitividade social imensa na Bolívia, em que a ocupação de prédios públicos e a interrupção de rodovias são acontecimentos do cotidiano, não afetou a condução autoritária e vertical de Evo, completamente à vontade em um ambiente onde a política se decide nas ruas, e não nos espaços institucionais. É um meio adverso para seus principais adversários, um empresário do setor de cimento e o governador da província Santa Cruz, lastreada no agronegócio.
No último país a renovar o mando, a Argentina, que realiza a sua eleição presidencial em 2015, Cristina Kirchner vai perdendo o controle das rédeas do processo, mas os dois que emergem nasceram de dentro de sua própria base: o governador de Buenos Aires Daniel Scioli e o deputado Sérgio Massa. A prevalecer o quadro atual, a Argentina terá na eleição presidencial uma presidente ausente do quadro sucessório e dois oponentes discutindo quem encarna melhor o que chamam de "peronismo pragmático", uma fórmula que em síntese significa conjugar assistencialismo com abertura na economia para o setor privado. Uma espécie de cristinismo sem a prática bolivariana e a épica do confronto.
A Argentina vive uma crise econômica, mas sua sucessão caminha para uma mudança por uma falência política. A presidente argentina ainda tem uma aceitação popular invejável para muitos presidentes, na faixa de 30%, e uma capacidade de mobilização que nenhum outro político possui no país.
Mas o fim da perspectiva de mudar a Constituição e tentar um novo mandato, que se tornou evidente depois das eleições legislativas do ano passado, fez com que Cristina perdesse a centralidade política. Seus gestos deixaram de atender a um objetivo estabelecido e a critérios dentro da lógica.
Sem aptidão para gerir a crise econômica, que conjuga inflação alta e déficit no setor externo, a presidente delegou a administração para o ministro-chefe de gabinete, Jorge Capitanich. Só não lhe transferiu poder real. Os anúncios feitos por Capitanich pela manhã não sobrevivem à hora do almoço sem serem desautorizados.
O quadro de colapso de liderança foi rapidamente captado pelo governador de Buenos Aires Daniel Scioli, que está dentro da base governista buscando recolher os despojos. A aposta do governador é que o desmoronamento de Cristina lhe entregue os 30% como se colhe uma fruta bem madura. Na antecâmara do governador, seus articuladores falam em estabelecer uma transição negociada.
Um modelo em que o eixo de poder se deslocaria de Cristina para os governadores das províncias, em uma nova aliança que pudesse incorporar os caciques do sindicalismo e até mesmo o grupo de mídia Clarín, comandado pelo empresário Hector Magnetto, uma espécie de inimigo público número um do cristinismo.
Na transição negociada, que da mesma forma é buscada por Sérgio Massa, Cristina receberia o fundamental para sobreviver politicamente na planície: indulgência plenária, para os pecados cometidos e para os que venha a cometer.
Na história da Argentina, com exceção da troca de mando entre marido e mulher de 2007, nenhum presidente elegeu o sucessor nos últimos 92 anos. E quando isso se deu, em 1922, sucedido e sucessor romperam logo depois. É uma nota de cautela para Cristina. Mas também de advertência para os que pensam em substitui-la.
Fonte: Valor Econômico
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