quarta-feira, 1 de abril de 2015

Míriam Leitão - A defesa do ajuste

- O Globo

O ministro Joaquim Levy tentou muito. No fim de mais de sete horas de depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ele tinha feito vários pontos, mas sem ganhar o jogo: a votação da lei que estabelece a vigência em 30 dias do novo indexador da dívida dos estados e municípios foi adiada, mas continua em pauta. Até o senador José Serra, do PSDB, tentou ajudar na negociação.

Levy começou fazendo elogios à Federação, lembrando que estava na casa dos representantes dos estados. Quando falou sobre mudança no ICMS, deixou claro que essa não é uma decisão do governo federal e só pode ser feita pelos governadores. Ao falar do fim do ciclo das commodities, ele se dirigiu a alguns dos ruralistas para dizer que certamente eles poderiam dar aula a ele, Levy, sobre esse ciclo.

Surpreendeu também ao fazer gestos até para a oposição, dizendo que o governo Fernando Henrique teve a coragem de fazer mudanças em 1998-1999 no regime fiscal e no câmbio, porque a situação havia mudado.

É bem verdade que falou da mudança no governo Fernando Henrique dentro do contexto de que todos os governos mudam quando a situação exige. Um discurso assim deixa a presidente Dilma confortável com as propostas de ajuste que são o oposto do que ela dizia na campanha eleitoral.

Pela linha de raciocínio de Levy, o mundo usou medidas anticíclicas para evitar a crise, e o Brasil também usou, mas agora os outros países estariam saindo dessa política, e o Brasil deve sair também. Defendeu medidas do ajuste fiscal como o caminho para evitar o risco do rebaixamento da dívida brasileira.

Mostrou um gráfico aos senadores de quanto o Brasil recebia de recursos externos antes e depois do grau de investimento. E alertou que é isso que não se podia perder porque, do contrário, todos sentiriam o efeito: o país deixaria de receber investimentos e empregos deixariam de ser criados.

Uma das mudanças a serem feitas, para reverter a situação fiscal, é o fim das medidas de renúncia tributária. Elas estão esgotadas, disse ele. E defendeu a mudança na desoneração da folha salarial, a mesma que foi assunto da MP devolvida ao executivo pelo presidente do Senado:

- Elas custaram R$ 21 bilhões no ano passado e este ano podem custar R$ 25 bilhões. Nós vamos deixar as empresas escolherem se querem permanecer na forma antiga de recolhimento, que existe desde o Dr. Getúlio, ou na nova forma. Não estamos acabando com o benefício. As empresas poderão escolher, mas apenas vamos reduzir à metade a renúncia fiscal.

Levy tentou achar o melhor argumento possível para cada medida. Sobre a proposta que cria mais dificuldade de acesso ao seguro-desemprego - em vez de seis meses, 18 meses -, Levy explicou que é uma forma de combater a alta rotatividade do trabalhador, ruim para a competitividade. Na mudança no seguro por morte, defendeu como uma necessidade de manter a Previdência saudável, um ativo de todos os brasileiros.

Ao falar da mudança radical feita na política do BNDES, explicou que os empréstimos para os bancos públicos chegaram a R$ 460 bilhões e que são emprestados a taxas abaixo da inflação para grandes setores:

- Essa medida já completou o seu curso e precisa ser alterada. A dívida externa não cresceu, mas a dívida interna cresceu na medida da expansão do crédito ao BNDES.

O aumento de tarifas de energia, explicou, é parte do fortalecimento das empresas elétricas. Enfim, para cada uma das medidas do ajuste, ele tinha um slide e uma boa argumentação. Porque o risco, repetiu, é o Brasil perder o grau de investimento:

- Há o risco de perdermos o grau de investimento. Temos de estar atentos. Agirmos de maneira rápida porque o custo vai ser para todos, inclusive o empregado. Para a preservação do emprego é preciso reduzir a dívida pública.

Diante desse slide, que mostrava que o país está a um passo de perder o grau de investimento, disse:

- Nós temos que manter a classificação e caminhar para a esquerda em direção ao A (melhor classificação). Sempre para a esquerda.

No quesito simpatia, ele fez o máximo. Se isso vai sensibilizar senadores em relação a cada uma das medidas, o tempo dirá. Mas ele lavra em campo infértil. O Congresso anda rebelado.

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