Ao anunciar ontem o pacote para investimentos privados na área de infraestrutura, o Palácio do Planalto apostou que, independentemente da viabilidade que estes venham a ter, com ele (como primeiro e principal ingrediente de uma agenda positiva) poderá recuperar um mínimo razoável da iniciativa política, hoje assumida pelo Congresso, e administrativa, igualmente em ponto morto. Bem como gerar, para segmentos do empresariado, expectativas de negócios que atenuem o cenário recessivo, inflacionário, de juros proibitivos, de escalada do desemprego; e reduzir o enorme desgaste do governo Dilma no conjunto da sociedade com esses efeitos, cada vez mais associados à necessidade de correção – através de duro ajuste fiscal – do descalabro das contas públicas cometido nos últimos anos.
Efeitos, cujos danos imediatos e no horizonte de demorada persistência, levaram o núcleo do Planalto – repetindo a “virada” para um ajuste fiscal pró-mercado – a partir para uma retomada das concessões de infraestrutura com mudanças significativas (embora insuficientes) de critérios contratuais, em relação aos dos malsucedidos pacotes anteriores com objetivos semelhantes, centrados na mistura do populismo da “modicidade tarifária” e forte intervencionismo estatal. Mudanças também ditadas pela queda do papel dos bancos públicos e pelo salto do custo do financiamento para empresários locais (em face dos altos juros do nosso mercado financeiro, o que beneficiará grupos externos que se interessem pelos projetos). Trata-se de atrair, pragmaticamente, empreendedores privados, internos e de fora (sobretudo norte-americanos e chineses), a fim de diminuir o peso da recessão e compensar a forte queda dos investimentos da Petrobras. Substituindo por negócios dotados de alguma consistência (para efetiva melhoria da qual é relevante a atuação de boas agências reguladoras, que seguem destroçadas) megaprojetos ilusórios como o do Trem Bala; a grande maioria dos reunidos nos PACs 1 e 2, que continua no papel, ou se arrastando interminável, como a Transposição do rio São Francisco; e os habitacionais do Minha Casa, Minha Vida, dominados por crescentes atrasos de pagamentos às empresas que os executam. Entre as diversas promessas de programas de infraestrutura, utilizadas nas sucessivas campanhas eleitorais do lulopetismo.
Tanto quanto, ou até mais do que o ajuste fiscal encaminhado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, o pacote de concessões poderia ter recebido incisivos ataques – de dirigentes do PT, ao contrariar por inteiro a tradicional retórica estatizante, a “privataria tucana”, que o partido sempre usa em suas campanhas. Mas a amplitude da crise recessiva, a extrema fragilidade política do governo Dilma e o imperativo de preservação dele, a qualquer custo, levaram a cúpula petista e o ex-presidente Lula (alvejado igualmente por aguda rejeição popular) a recuar das críticas que vinha fazendo ao ajuste e, agora, a dar um respaldo, mesmo que envergonhado, ao lançamento do pacote de concessões. Num reconhecimento implícito de que um desastre do governo Dilma será ao mesmo tempo um desastre político e eleitoral do lulopetismo. No Congresso partidário do próximo final de semana, a contestação ao “neoliberalismo” do ajuste fiscal, bem como ao apelo pró- mercado desse pacote, ficarão por conta da corrente esquerdista liderada por Tarso Genro. A cúpula compensará o pragmatismo conjuntural respaldando propostas para “aumento dos impostos dos ricos” e para recriação da CPMF, de par com o reforço da articulação da “frente popular” para a “volta de Lula”.
A esse texto, feito ontem à tarde logo após a divulgação do pacote, seguem-se avaliações da iniciativa em títulos e trecos de reportagens e análises dos jornais de hoje. Da Folha de S. Paulo – “Governo Dilma lança lista de intenções para infraestrutura”. “Dilma lança seu 2º plano de obras e tenta ‘virar a página’ (Governo reduz exigências, abandona modelo de menor tarifa e retorna a sistema que criticava por ser ‘tucano’)”. Do Estadão – “Pacote de concessões de R$ 198 bilhões é recebido com cautela pelo mercado”. Do Valor – “Realismo e exageros nas concessões”. “Taxa de retorno em rodovias será discutida”. Do Globo – “Privatizações. Pedras no meio do caminho. Cerca de 40% do pacote de R$ 198,4 bi podem enfrentar atraso ou não sair do papel”. Da coluna de Miriam Leitão (neste veículo) – “Melhor notícia é que o governo abandonou as próprias ideias... Plano é melhor que o de 2012, mas faltam detalhes sobre cada projeto para medir a viabilidade. Ferrovia bioceânica ainda é miragem...” “Armínio e Malan duvidam da eficácia das medidas anunciadas por Dilma”.
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Jarbas de Holanda é jornalista
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