quinta-feira, 11 de junho de 2015

Luiz Carlos Azedo - Lusco-fusco da crise

- Correio Braziliense

• A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue, mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal

O Palácio do Planalto evitou uma derrota acachapante ontem ao adiar a votação da medida provisória que acaba com as desonerações tributárias sobre a folha de pagamentos.

O acordo entre o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PMDB, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), foi providencial, pois um resultado adverso sinalizaria, simultaneamente, a fragilidade do dispositivo parlamentar montado pelo vice-presidente Michel Temer e a dificuldade de o governo levar adiante o ajuste fiscal.

Picciani defende que os setores de transportes, comunicação, tecnologia da informação e produtores de alimentos para a cesta básica mantenham os privilégios tributários. O governo, porém, não quer abrir nenhuma exceção.Trocando em miúdos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quer que as empresas que pagam alíquota de 1% de contribuição previdenciária sobre a receita bruta ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) passem a arcar com 2,5% e os setores que hoje estão na alíquota de 2% passem a contribuir com 4,5%.

Espera arrecadar R$ 12,5 bilhões com a medida, compensando assim os gastos que não conseguiu cortar no Orçamento da União. Assim como o PT resistiu ao ajuste na área social, o PMDB também refuga o apoio na área tributária. Está em sintonia com o forte lobby empresarial capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que foi candidato ao governo de São Paulo pela legenda.

O líder do governo, José Guimarães, não esconde o desejo de que Levy recue e aceite as exceções. Segundo ele, a Fazenda deveria ceder e concordar que o projeto crie exceções e mantenha o benefício para algumas áreas: “Às vezes, se perde um anel do mindinho para não perder os dedos”, disse. Além das exceções, o PMDB deseja que a nova legislação tributária somente entre em vigor em dezembro, enquanto o governo pretende começar a cobrança em 90 dias para cobrir o rombo no caixa. A negociação dessas desonerações é um capítulo à parte do lusco-fusco da crise.

Lento e gradual

A presidente Dilma Rousseff conseguiu sair do canto do ringue ao delegar ao vice-presidente Michel Temer a coordenação política do governo. Mas a tensão entre o PMDB e o PT aumentou, em vez de diminuir, por causa do ajuste fiscal, o que gera instabilidade política. O estresse maior ainda está por vir na votação do Orçamento da União de 2016. Para Levy, o Orçamento é o principal instrumento de execução do ajuste fiscal, com uma meta de superavit primário de 1,5%, já antecipada no ano passado. O PT e o PMDB, porém, consideram essa meta inalcançável.

No Senado, os políticos governistas querem reduzir a meta de superavit para algo em torno de 1%, o que será um péssimo sinal para o mercado. O PSDB, que vem se posicionando contra o governo mesmo em questões de mérito que coincidem com suas posições históricas — como foi o caso do fator previdenciário —, negocia um acordo com o PMDB para atenuar a situação de insolvência de governos estaduais e prefeituras.

Também quer impedir o governo federal de criar programas e repasses de encargos a estados e municípios — incluídos os pisos salariais de funcionários públicos —, sem os recursos correspondentes; obrigar o governo federal a reinvestir na área de saneamento básico toda a receita de tributos recolhidos nesse setor; e punir gestores federais responsáveis pelos atrasos nas transferências de recursos do SUS e de fundos de compensação de isenções fiscais concedidas às exportações.

Esse lusco-fusco na aprovação do ajuste pode ser uma grande armadilha para o próprio governo. Um velho princípio da política, enunciado por Nicolau Maquiavel, diz que o mal deve ser feito de uma só vez. Economistas ortodoxos são unânimes em avaliar que quanto mais duro for o choque fiscal aplicado à economia mais rápida será sua recuperação, o que é uma velha receita liberal.

O ajuste fiscal em curso está sendo lento, gradual e o mais suave possível, o que fará com que a recuperação seja mais lenta. A prova disso é que a inflação continua em alta, embora os efeitos da recessão já se façam sentir na redução da atividade industrial e no desemprego, o que provocará nova elevação da taxa de juros. É um jogo que a oposição topou fazer porque aposta no desgaste do governo a longo prazo. O PT também porque imagina que isso salvará sua base social tradicional, embora o governo Dilma continue com altas taxas de desaprovação até o fim do mandato.

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