• O discurso de salvação do PT destroi Dilma.
- Valor Econômico
O ex-presidente Lula está construindo seu discurso de campanha eleitoral, destinado a dar ao PT uma consistência de oposição nas eleições municipais, como teste para a campanha presidencial dois anos depois. Isso tem que servir a ele e ao PT ao mesmo tempo, e não há alternativa: a decisão é atacar a política econômica, em dueto com o presidente do seu partido, para ter eco em movimentos sindicais, de sem-terra e sem-teto, militantes em geral, funcionários públicos em greve, num contorcionismo forte para evitar constranger diretamente a presidente Dilma. A perda do emprego dessas pessoas não é com ele, a inflação muito menos, o corte na área social nem existe e os bancos públicos têm que soltar a grana para consumo.
Mesmo que Dilma venha, no dia seguinte, estabelecer a distância entre Lula e seu discurso e o governo, ou entre o PT e o governo. Cada um por si é um lema que está aceito de parte a parte. Por isso a impressão de que foi tudo combinado ou, no mínimo, estão mutuamente avisados de que o jogo é de cena.
Na coordenação política do governo desdenha-se desse aparente choque que deixa atônitos os que pretendem encontrar coerência mínima entre PT-Lula-Dilma. O governo justifica Lula: "Ele está fazendo um discurso para o público interno, para criar consistência na campanha eleitoral, para evitar que o PT seja dizimado". E o governo se justifica: "Não haverá troca de ministro da Fazenda, nem agora nem com os nomes citados para substituição". Perguntam os mais bem situados interlocutores da presidente, "qual a diferença entre Joaquim Levy e Henrique Meirelles, candidato in pectore do Lula para assumir o Ministério da Fazenda?" Que planos teria o Meirelles?
Lula quer, basicamente, mostrar duas coisas. A primeira é que nada tem a ver, ao contrário, condena, as altas taxas de desemprego que estão levando ao desespero trabalhadores e suas famílias. A segunda é que o governo petista não está cortando benefícios sociais, e está lutando para que reabram o crédito para o consumo da classe média. Como se houvesse uma massa de trabalhadores, hoje, ávida por se endividar para ir às compras. Lula quer repetir um momento de seu governo no qual, acredita, ganhou a adesão das massas de votos que ficaram por quatro eleições cativos do PT.
Com esse discurso, o ex-presidente pode estar na oposição ou na situação, tanto faz. E nem Dilma vai tentar calá-lo, nem ele vai tentar empurrá-la contra a parede para fazer outra política econômica.
Falar não tira pedaço. Quando ministro da Educação do governo do general João Figueiredo, nos idos dos anos setenta, o ministro Eduardo Portella, intelectual e frasista talentoso, quando cobrado sobre a falta de iniciativas e realizações tinha uma boa resposta: "Em determinadas áreas do governo, como a da Educação, falar é fazer". Aplicado o princípio à algaravia de Lula, falar não é para fazer.
Portanto, há interlocutores de Dilma convictos que Lula não faz questão de tirar Joaquim Levy, nem de colocar em seu lugar Nelson Barbosa ou o xodó Henrique Meirelles, vez que, por experiência própria, sabe que quem chegar terá que fazer o necessário.
É no governo que se colhe a análise comparativa: Lula fez um arrocho brutal, a taxa de juros foi maior do que chegou na era Dilma, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não interferiu na política monetária do Banco Central dirigida por Meirelles.
Lula, argumentam próximos à presidente Dilma, queria fazê-la mudar, ter uma atuação mais política. Quando viu que ela ia sofrer impeachment adotou então outro discurso e, antes de tentar mudá-la, viu que era preciso segurá-la no cargo.
Foi ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estimulou que o governo colocasse interlocutores junto a ele, conteve o ímpeto dos petistas que queriam imolá-lo rapidamente. E foi cuidar de se desvincular dos efeitos da recessão sobre sua campanha.
Mas os ataques de Lula à política de equilíbrio e austeridade fiscal estão, como se viu, desmoralizados. Lula ouve muito a Unicamp, mas ouve também Delfim Netto e outros economistas ponderados. Não é com Meirelles que vai interferir na política do Banco Central, nem com Nelson Barbosa que vai se livrar do desemprego nos palanques. Mesmo que a presidente Dilma aceitasse a deposição que para ela representaria a nomeação de Meirelles, desde sempre intragável para ela, ele não faria o que Lula está pregando.
Essas são as razões que justificam a certeza, no governo Dilma, de que a questão dramatizada por Lula não tem nada a ver com a economia.
Tem a ver com a salvação do PT e sua reconstrução para as campanhas de 2016 e 2018. O governo pode até fazer o ajuste, mas não pode mais falar disso. Pode até cortar gastos na área social, mas na surdina. A ordem é falar em desenvolvimento, crescimento, perspectivas de melhora. As acusações de prática de crimes financeiros e fiscais devem ser rebatidas com a alegação de que foram cometidos para dar de comer aos pobres.
O máximo do ilusionismo será fazer colar em Levy, e conseguir dar a ideia de que a troca vai sanar o mal, a marca da elevação da taxa de desemprego. As reuniões com sindicalistas, sem-terra, sem-teto e outras organizações mobilizadas por Lula tratam principalmente disso. O fantasma, o risco, a realidade do desemprego tornam as próximas campanhas eleitorais perdidas por antecipação.
Na semana passada, em que pareceu ter o Lula feito e acontecido em Brasília, onde se movimentou para cima, para baixo, para os lados, foi também um passo firme na consolidação desse plano de ação, ou de conversa, para os próximos três anos.
Na verdade, Lula veio para depor como testemunha em investigação do Ministério Público sobre tráfico de influência. Disfarçou com a balbúrdia política.
Lula é pragmático, tudo fará para que não peguem nele os males impopulares a que não quer se associar. Sabe que o discurso que pode ser de salvação do PT mata o governo. Paciência. Não têm outro que achem eficaz.
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