sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Eliane Cantanhêde: Teatro do absurdo

- O Estado de S. Paulo

Impossível discordar do ex-presidente Lula quando ele defende, em entrevista a Roberto D’Avila, da GloboNews, que “não se negue a política porque, fora da política, não existe saída”. Mas, cá entre nós, os políticos precisam ajudar. E eles não estão ajudando nem um pouco, muitíssimo pelo contrário.

O que aconteceu ontem na Câmara foi um teatro do absurdo. Partidos e aliados de Eduardo Cunha, inclusive PT e petistas, negaram quórum no Conselho de Ética para empurrar com a barriga o processo contra Cunha. Alguns deputados ainda tiveram a cara de pau de fazer o jogo sujo pró-Cunha diante dos microfones e câmeras que chegam a seus eleitores. É muita ousadia, ou desfaçatez.

E o que fez Eduardo Cunha? Usando dos poderes de presidente da Câmara a seu bel prazer e a serviço de seus interesses, abriu a sessão do plenário na mesma hora em que começava a do conselho. Pelo regimento, as duas não podem coincidir.

Contundente e comovente, a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) deu um grito que está preso na garganta de toda a sociedade: “Pela ética, pela moral, pelo povo brasileiro que nos trouxe aqui, levanta dessa cadeira, Eduardo Cunha, por favor!”. E conclamou os colegas a sair do plenário, deixando o presidente falando sozinho.

Cada vez mais acuado pela Procuradoria-Geral da República, pelas autoridades suíças e, por suas excelências, as provas, Cunha contratou uma dezena de advogados a peso de ouro e esperneia à vontade, mas está metendo os pés pelas mãos. Ontem, acabou dando mais munição para a PGR ao usar o cargo para obstruir investigações.

Como isso é possível? E como é possível que Eduardo Cunha tenha uma biografia complicada desde que presidiu a Telerj, no governo Collor, início dos anos 90, e não só tenha sido eleito deputado como tenha virado presidente da Câmara, o terceiro na linha de sucessão da Presidência da República?
Aliás, como pôde o próprio Fernando Collor desabar estrondosamente da Presidência e voltar ao Senado a bordo de uma Lamborghini, uma Ferrari e um Porsche que podem ter sido adquiridos com dinheiro sujo? E por que ele tinha desenvoltura e costas quentes para se meter na Petrobrás e embolsar milhões de reais em propinas, como suspeita a PGR?

“Está tudo errado”, esgoelava-se ontem o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ele próprio um exemplo, ou melhor, uma vítima do teatro do absurdo. Com tantos parlamentares enrolados no Supremo e/ou citados na Lava Jato e com tantas provas contra Cunha, adivinhe quem está sendo processado no Conselho de Ética? Ele, Chico Alencar, alvo da retaliação da tropa de choque de Cunha.

Esses descalabros não ficam restritos a Brasília. No Rio, cidade de Alencar, o prefeito Eduardo Paes insiste em emplacar como candidato à sua sucessão um tal de Pedro Paulo, que foi parar na polícia por espancar a mulher, agora ex-mulher. E não uma, mas duas vezes. O PMDB do Estado não tem ninguém melhorzinho para apresentar aos eleitores?

Por falar nisso, uma dúvida que não é de ordem moral, mas política: como o líder do PMDB, Leonardo Picciani, quer presidir a Câmara no lugar de Cunha se falta a um congresso do seu partido e se acha mais esperto do que Temer, Sarney, Renan, Padilha e Moreira Franco? O Planalto, Paes e o governador Pezão lhe garantem a vitória? O Planalto não conseguiu eleger nem o candidato do próprio PT contra a cúpula do PMDB...

É por essas e outras que a gente concorda com a advertência do ex-presidente Lula a favor da política, se comove com o apelo de Mara Gabrilli e se solidariza com Chico Alencar, mas sem deixar de se escandalizar com essas coisas absurdas que políticos fazem sem ficar ruborizados. Aliás, por essas e por muitas e muitas outras, não é mesmo, Lula?

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