O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não faz nenhuma questão de parecer o que não é. Age exatamente como se espera de alguém que chegou ao topo como representante da ralé política, para a qual o poder é construído e mantido exclusivamente à base de chantagem e fisiologismo. Para políticos como Cunha, não há parceiros de negociação em torno de uma pauta comum, de interesse do País; em vez disso, há reféns de articulações opacas que se prestam a proteger negócios, amealhar prebendas e garantir impunidade.
Fiel a seu estilo, Cunha manda recados pela imprensa para avisar que dispõe de trunfos para prejudicar a presidente Dilma Rousseff caso prospere o processo que corre contra ele no Conselho de Ética da Câmara, repleto de evidências indecorosas que, em qualquer país sério, já teriam bastado para lhe cassar o mandato.
Na quarta-feira passada, Cunha mandou vazar para os jornalistas o conteúdo das conversas que manteve com deputados aliados uma semana antes, nas quais teria dito que são remotas as possibilidades de que aceite o processo de impeachment contra a petista ainda neste ano. Ficará para 2016, “no mínimo”, conforme informou o Estado. Com razão, a advogada Janaína Paschoal, uma das signatárias do pedido de impeachment, lembrou que Cunha pode ser enquadrado no artigo 319 do Código Penal – crime de prevaricação – por não cumprir seu dever de ofício em razão de interesses pessoais. “Cunha está segurando o processo para se segurar no cargo”, disse Janaína.
Note-se que a “opinião” de Cunha a respeito do impeachment da presidente, dada dias antes, foi tornada pública somente na véspera da sessão em que o Conselho de Ética analisaria o relatório que pede a continuidade do processo que investiga o deputado. O timing não poderia ser mais revelador.
Usando a parte mais rastaquera da baixa política, Cunha condicionou a sobrevivência de Dilma no cargo à sua própria. E parece ter funcionado: os três correligionários da presidente que integram o Conselho de Ética colaboraram para que não houvesse quórum para a abertura da sessão, ontem de manhã. Mas 50 minutos depois do horário previsto o número mínimo foi atingido, o que deu margem a que a tropa de choque a serviço de Cunha tumultuasse a sessão, com o apoio de deputados petistas.
As artimanhas de Cunha não pararam por aí. No instante em que o Conselho de Ética estava se reunindo, o presidente da Câmara manobrou para que os trabalhos de todas as comissões em funcionamento na Casa fossem suspensos, inclusive a que julgaria o processo contra ele, permitindo sua reabertura somente depois que toda a pauta de votações e debates em plenário fosse concluída.
Mais tarde, Cunha passou a presidência da Casa ao deputado Felipe Bornier (PSD-RJ) para que ele anulasse a sessão do Conselho de Ética, sob o argumento de que o quórum fora atingido com atraso de 50 minutos, bem como todos os atos do colegiado. Diante da indignação de vários deputados – que deixaram o plenário aos gritos de “vergonha” –, porém, Cunha recuou e suspendeu a decisão de Bornier.
Cunha é um ás do regimento da Câmara e mostrou que pretende usá-lo para protelar indefinidamente o processo no Conselho de Ética. Para isso, no entanto, o deputado precisa da colaboração dos petistas, obtida, como já está claro, por meio de chantagem ao governo.
É evidente que, quando o ex-presidente Lula mandou o PT aliviar a barra de Cunha, não o fez somente porque o presidente da Câmara ameaçara emparedar Dilma. O chefão petista aproveitou o ensejo para obter inestimáveis favores de Cunha. Este, sendo quem é, cumpriu sua parte: mandou seus aliados impedirem que ex-ministros e familiares de Lula fossem convocados para depor em comissões de inquérito.
Assim, enquanto Cunha e Lula se unem nesse pacto degradante, o presidente da Câmara dá preciosas aulas de como é possível rebaixar a política a uma atividade em que a única virtude é a malandragem.
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