- Folha de S. Paulo
Na versão mais dramática, deputados aproveitaram a calada da noite e a comoção em torno do desastre com a delegação da Chapecoensepara desfigurar completamente as dez medidas contra a corrupção e ainda introduziram-lhe dispositivos absurdos com o claro objetivo de intimidar procuradores e juízes da Lava Jato.
Embora forte, eu não diria que essa narrativa é despropositada. O processo de votação do PL 4850 tem todas as marcas de uma operação em que os parlamentares atuaram tendo em vista muito mais seus próprios interesses, frequentemente inconfessáveis, do que os do país. Não me agrada, porém, pensar as coisas em termos de nós (povo indefeso) contra eles (políticos corruptos).
Numa visão menos teleológico-apocalíptica, não são necessários pacotes salvíficos para enfrentar a corrupção. O próprio sucesso da Lava Jato é prova disso. É claro que aperfeiçoamentos legislativos são sempre bem-vindos e, no frigir dos ovos, os deputados acabaram aprovando a criminalização do caixa dois e uma racionalização do sistema recursal, entre outras medidas. Se isso prosperar, ficaremos melhor do que hoje.
É verdade também que a Câmara, na fatídica madrugada, rejeitou uma série de inovações a meu ver positivas, como a responsabilização de partidos políticos por malfeitos de seus integrantes e incentivos à figura do "whistleblower" (informante). Lamento que tenham caído, mas, convenhamos, não é isso que alteraria a natureza do combate à corrupção.
O que vejo de grave é a tentativa dos deputados de constranger juízes e procuradores. O Brasil precisa modernizar sua antiquada lei que coíbe o abuso de autoridade, mas é preciso proceder de forma técnica, recorrendo a tipos penais objetivos e razoáveis —exatamente o contrário do que fizeram os deputados. De todo modo, assim como ocorreu com a anistia ao caixa dois, não creio que a investida sobreviverá até o fim dos trâmites.
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