Por Maria Cristina Fernandes – Valor Econômico
SÃO PAULO - Em seu gabinete, no segundo andar do Palácio dos Bandeirantes, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem, ao alcance de uma espichada de braço compilação de 13 páginas com os projetos de lei aprovados durante o governo Michel Temer de elevação de gastos com aumento do funcionalismo.
O papelório descreve o número da lei, sua tramitação no Congresso Nacional, a categoria beneficiada e o impacto orçamentário correspondente. As páginas têm grifos em vermelho e amarelo e relembram os projetos com os quais o presidente inaugurou sua gestão antes de dar início à peregrinação da PEC dos gastos.
Diante de interlocutores que o indagam sobre as chances de o governo federal ganhar a confiança que traga de volta o investimento, Alckmin começa a folhear o papelório e a descrever, categoria por categoria, o pacote de bondades chancelado pelo presidente da República em sua estreia no cargo.
A cantilena da PEC dos gastos relegou ao escaninho de matérias vencidas a numeralha, mas o governador não a esqueceu. Lá estão os R$ 5,8 bilhões a serem gastos pelo Tesouro até 2019 com o aumento da magistratura, os R$ 2,5 bilhões com o Ministério Público, os R$ 14,8 bilhões com o magistério federal, os R$ 14 bilhões com os militares, além de reajustes para uma penca de salários, pensões e aposentadorias de uma miríade de siglas e órgãos, do TCU à Funasa. Ao chegar ao final do calhamaço, o governador exclama, diante da soma, sublinhada em amarelo, e recitada até os centavos: R$ 58.107.787.532,08 até 2019.
O gesto, de franco descrédito no esforço fiscal de um governo que estreou na gastança, é complementado pelo fato de que a administração estadual, há três anos, não reajusta o funcionalismo. À constatação, exibida com indisfarçável orgulho, segue-se a informação de que os servidores públicos em São Paulo, desde 2011, quando a Assembleia Legislativa aprovou a previdência complementar, já têm como teto do seu benefício o limite do INSS, devendo fazer contribuições extras se pretenderem extrapolá-lo.
O Palácio dos Bandeirantes deu à Previdência prioridade não compartilhada pelo Planalto, ainda que o governador tenha tido quatro mandatos para fazê-lo e Temer mal esquentou a cadeira. Disso, Alckmin não faz segredo. Fala, a todo momento e para quem quiser ouvir, que a reforma da Previdência deveria ter precedido a PEC dos gastos, uma vez que esta não passará de uma carta de intenções sem o ajuste nos benefícios concedidos pelo Estado.
Naquele dia, um auditor da receita estadual, escolhido em lista tríplice para coordenar a administração tributária, havia publicado artigo na "Folha de S.Paulo" para acusar o governo paulista de falta de transparência na concessão de isenções que turvam a reação à queda de arrecadação do ICMS.
Na véspera, os secretários estaduais de Fazenda haviam discordado, em Brasília, sobre a criação de um fundo a ser formado com uma fatia de 10% dos incentivos fiscais e destinado ao esforço de recomposição dos desvalidos caixas estaduais. A resistência vem da pressão de empresários, desinteressados em abrir mão de qualquer fatia de benefícios fiscais, sobre os governadores. Alckmin é taxativo: o Estado nunca entrou na guerra fiscal e, portanto, não tem a que resistir.
O governador é econômico em entrevistas, mas é perdulário no tempo que dedica a burilar o discurso com o qual se prepara para 2018. Ao contrário do chanceler José Serra e, mais recentemente, Aécio, que passou a ser presença frequente no Palácio do Alvorada, Alckmin não cultiva nem tem a ganhar com tamanha proximidade.
Com o agravamento da crise provocada pela saída do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, palacianos passaram a buscar mais aproximação com o PSDB, sob o temor de que o partido pudesse vir a desembarcar do governo, abreviando o fim da gestão Michel Temer e forçando uma eleição indireta no próximo ano. O presidente do Senado, Renan Calheiros, chegou a sugerir que as delações que estão por vir colocam pemedebistas e tucanos no mesmo barco: "É melhor um governo sob influência do PSDB ou de Eduardo Cunha?".
Investigadores da operação contaram a André Guilherme Vieira, do Valor, que, no relato de pelo menos três candidatos à delação premiada, aparecem supostos arrecadadores de caixa dois para campanhas eleitorais de Alckmin. Papelório preparado por sua assessoria indica que, numa das datas vazadas pela operação, o caixa dois se destinaria à campanha municipal de 2004 que teve como candidato o atual ministro das Relações Exteriores.
Dois dos seus mais próximos colaboradores asseguram que Alckmin, dos três principais tucanos a serem envolvidos na Lava-Jato, é o mais aparelhado para mostrar que, se caixa dois houve, o governador, a despeito de eventual benefício à campanha, passou ao largo de sua coleta. Colaboraria para isso a falta de intimidade de colaboradores mais próximos, até daqueles que se consideram seus amigos.
A distância regulamentar que Alckmin faz questão de manter em relação ao presidente da República respalda o mote que parece inspirá-lo. Não despreza o apelo popular de um Ciro Gomes, numa conjuntura suscetível a salvadores da pátria, mas sua raia é outra, a de que, ao contrário do governo federal, São Paulo fez a lição de casa. No dossiê dos dados com os quais contrapõe a gestão bandeirante àquela de Brasília há dois gráficos com as curvas de despesa e receita dos dois governos.
No primeiro, das contas nacionais, a curvas se abrem como uma boca de jacaré, sendo que a evolução das receitas ocupam a mandíbula inferior do bicho. No de São Paulo, as curvas declinam a partir de meados de 2013, mas são coincidentes.
Munidos desses dados, o governador desembarcou em Brasília na semana passada determinado a demonstrar ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que o Estado não merece a classificação de risco C- que lhe atribui o Tesouro Nacional, abaixo daquela auferida pelas agências internacionais.
A nota é condição para que o Estado possa retomar investimentos e demonstrar que se distingue do imenso canteiro de obras paradas da gestão federal. No mês passado, o governador participou de conferências com empreiteiras e investidores estrangeiros em Nova York e arrancou compromissos de participação em licitação de obras no Estado em substituição a empresas encrencadas na Lava-Jato.
Numa visita ao "The New York Times", ao ser recebido por dois editores do jornal, se valeu do aval do Supremo Tribunal Federal ao impeachment ao ser confrontado com a desconfiança em relação ao país gerada pelo processo.
O governador parece mimetizar a própria imagem ao discurso de austeridade fiscal. A morte de Thomaz, há dois anos, é apontada por colaboradores como o pano de fundo da determinação com a qual Alckmin mira 2018. A sucessão presidencial passou a ser encarada como missão que o governador persegue sem olhar para os lados e, menos ainda, para o retrovisor.
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