sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Odebrecht pede perdão, paga R$ 6,8 bi e começa a delatar

• Emílio e Marcelo Odebrecht assinam acordo com a Lava-Jato

Proprietários, executivos e ex-executivos da maior empreiteira do país reconheceram envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras e outras estatais, além de obras em estados

A maior empreiteira do país formalizou ontem acordo de leniência com a Lava-Jato, e seus donos assinaram a delação premiada. Após nove meses de negociação, Emílio Odebrecht e seu filho, Marcelo, e 75 executivos e ex-dirigentes da empresa reconheceram envolvimento em esquemas de corrupção e se comprometeram a pagar multa de aproximadamente R$ 6,8 bilhões. A empresa pediu desculpas por ter participado de “práticas impróprias”. Pelo acordo, em que a empreiteira deve citar cerca de 200 políticos, Marcelo Odebrecht permanecerá preso até o fim de 2017, totalizando dois anos e meio de prisão em regime fechado. A partir de então, cumprirá domiciliar.

Um perdão de R$ 6,8 bi

• Emílio Odebrecht e seu filho assinam acordos de delação e leniência e vão começar a depor

Cleide Carvalho e Jailton de Carvalho - O Globo

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Após nove meses de negociações, o empresário Emílio Odebrecht e seu filho, Marcelo Odebrecht, donos da maior empreiteira do país, a Odebrecht, assinaram ontem acordo de delação premiada e o acordo de leniência, em que a empresa reconhece seu envolvimento em esquemas de corrupção e se compromete com o pagamento de uma multa de, aproximadamente, R$ 6,8 bilhões. A partir de agora, começarão os depoimentos da delação.

A empreiteira divulgou uma nota em que reconhece o erro, pede desculpas pelo envolvimento em esquemas de corrupção e garante que não permitirá que os fatos se repitam. Os pedidos de desculpas são extensivos aos funcionários. Um anúncio de duas páginas está sendo publicado pela empresa nos jornais de hoje.

Emílio, presidente do Conselho de Administração da empreiteira, assinou os acordos na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Marcelo assinou os mesmos documentos, em Curitiba, onde está preso desde junho de 2015, depois de ter sido alvo de uma das fases da Operação Lava-Jato.

Ao todo, 77 executivos da Odebrecht começaram a assinar seus acordos de delação, os mais esperados e mais temidos desde o início da Operação Lava-Jato. Há uma estimativa de que cerca de 200 políticos de todos os grandes partidos do país, do governo Michel Temer e da oposição serão denunciados pelos delatores.

Procuradores da República e advogados da empreiteira também assinaram ontem, em Curitiba, o acordo de leniência da Odebrecht. A multa da leniência, no valor de R$ 6,8 bilhões, é maior que a estimada inicialmente, de R$ 6 bilhões, mas menor que os valores colocados à mesa nas últimas rodadas de negociações, de R$ 8,6 bilhões. Parte desse dinheiro será enviada aos Estados Unidos, onde a empresa também tem negócios, e à Suíça.

MAIOR INDENIZAÇÃO DA HISTÓRIA
Trata-se da maior indenização a ser paga por uma empresa brasileira a partir de uma investigação sobre corrupção. Não se sabe quanto da indenização será destinada ao Departamento de Justiça dos EUA e ao governo suíço, que também participaram das negociações do acordo. Antes da conclusão do documento, as partes negociavam repassar algo entre 5% e 10% do valor total da multa a americanos e suíços. As partes não informam se esses percentuais foram mantidos.

Pelos acordos, Marcelo Odebrecht, da terceira geração da família a conduzir o Grupo Odebrecht, fundado por seu avô, Norberto Odebrecht, deverá permanecer preso até o fim de 2017, totalizando dois anos e meio de prisão. A partir de então, cumprirá prisão domiciliar, regime semiaberto e, depois, aberto. No total, serão dez anos de pena.

Os acordos de delação começaram a ser assinados logo depois da conclusão do acordo de leniência. Mas até a tarde não estava claro se haveria tempo suficiente para o arremate de todos os documentos ainda ontem ou se alguns deles seriam assinados hoje.

Esses acordos já estavam fechados desde a quarta-feira da semana passada e só não foram assinados porque, pouco antes da conclusão dos trabalhos, representantes da Odebrecht e da Procuradoria-Geral da República entenderam que deveriam concluir primeiro o acordo de leniência. A Odebrecht considerou que, se os acordos de delação fossem assinados antes, perderia força nas tratativas da leniência.

O acordo de leniência, que também estava quase pronto, só não foi finalizado na semana passada porque representantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos exigiram uma parte maior da multa. Os americanos também teriam exigido pagamento imediato dos valores. Ao final prevaleceu a proposta inicial, que prevê o pagamento parcelado ao longo de 20 anos. Não está claro, ainda, se americanos e suíços serão pagos de uma única vez.

Um dos responsáveis pelo acordo disse que a delação da Odebrecht será suficiente para colocar em xeque o sistema de financiamento de campanhas eleitorais. Uma outra fonte, que acompanha o caso de perto, sustenta que, depois de muita relutância, a Odebrecht decidiu fazer um acordo de delação de alto padrão. Ou seja, seus executivos receberão carta branca para contar tudo que sabem, sem qualquer restrição ou filtro de ordem política, ideológica ou pessoal.

A ideia era evitar vexames como o do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo e de outros delatores que, depois de se comprometerem a contar tudo que sabiam, foram pegos em contradição e terão que revisar depoimentos, sob o risco de perderem os benefícios da delação.

As negociações com vistas aos acordos de delação e leniência tiveram início entre fevereiro e março deste ano, numa reunião entre o advogado Theo Dias e procuradores da Lava-Jato, em Curitiba. No início, mesmo depois de passar meses na prisão, Marcelo Odebrecht rejeitava duramente qualquer possibilidade de delação. Num depoimento à CPI da Petrobras, ele chegou a dizer que uma eventual delação poderia ser um problema moral mais grave que o envolvimento em fraudes.

— Entre o meu legado, eu acho que tem valores, inclusive morais, dos quais eu nunca abrirei mão. Eu diria que entre esses valores, eu, desde criança, quando, lá em casa, as minhas meninas tinham discussão e tinham uma briga, eu dizia: “Olha, quem fez isso?”. Eu diria o seguinte: eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquele que fez o fato — disse o executivo.

Ele só mudou de ideia depois que o pai, Emílio Odebrecht, entrou em cena para tentar tirar o filho da prisão e salvar a empresa da falência. Depois de idas e vindas, o acordo quase foi implodido por tentativas dos delatores de fazer uma delação parcial. Num certo momento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou no circuito e lançou um ultimato: se Marcelo e outros executivos não decidissem contar logo tudo que sabiam, as negociações seriam suspensas em caráter definitivo. Diante do alerta, os executivos mudaram de posição, abriram a caixa-preta do setor de operações estruturadas, o departamento de propinas da Odebrecht e passaram a falar abertamente sobre casos de corrupção e sobre a movimentação do dinheiro repassado a políticos de todos os grandes partidos.

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