- O Estado de S. Paulo
• Vestir o figurino do ‘João trabalhador’ nada tem a ver com se vestir de gari
João Doria Jr. tomou posse ontem num ambiente ao qual está bastante acostumado: num palco, cercado de cerimonial, de artistas e de pompa e fortemente encorajado por uma plateia entusiasmada. Tirando a circunstância e os discursos, pouco havia de diferente ali dos eventos do Lide que há até poucos meses ele comandava com eficiência e organização impecáveis. Até muitos dos convidados eram os mesmos.
Mas a hora do espetáculo está chegando ao fim. Não se pode dizer que ela já acabou, porque o showman Doria insiste em permanecer na ribalta, e hoje o dress code ditado pelo novo prefeito de São Paulo – outra de suas obsessões dos tempos do Lide – será um uniforme customizado de gari para si e outros para os principais secretários.
Assim travestidos, o alcaide e boa parte do primeiro escalão sairão às ruas para dar início à operação “Cidade Linda” e ajudar na limpeza urbana.
Nas palavras de Doria, a iniciativa é um ato de respeito e de humildade, de comprometimento com a cidade. Difícil enxergar assim. Toda a mise-en-scène, a começar pelo e-mail que os auxiliares receberam para que informassem suas medidas e o tamanho do calçado para receberem um traje personalizado, cheira mais a uma ideia midiática vazia de significado prático.
Afinal, sabe-se que nem Doria, por mais “trabalhador” que seja, nem os secretários, têm nenhuma intimidade com a profissão de gari. O mais provável é que a intrépida trupe se pareça mais com uma ala de escola de samba que com pessoas de fato empenhadas – e minimamente habilitadas – a tornar a cidade mais limpa.
Em entrevista recente, ele prometeu governar para a maioria silenciosa, mas atos como o de ontem e o de hoje são voltados para a minoria ruidosa.
É chegada a hora de algo que Doria fez pouco durante sua campanha, outro case bem-sucedido de comunicação e marketing. É hora da política.
O padrinho do prefeito, Geraldo Alckmin, deu o recado em sua fala na posse teatral de ontem. Citando o discurso da posse de Mário Covas à frente da cidade, anos antes, o tucano fez um elogio à política, e disse ter certeza de que Doria se “identifica” com seus princípios.
Ao lidar com o dia a dia da administração, Doria vai perceber que o voluntarismo pode ser importante para fazer a engrenagem andar, mas nem sempre conseguirá mover um paquiderme como a máquina burocrática da prefeitura.
Que ele precisará mais do que o apito que usa nos eventos do Lide para ser ouvido e atendido, e que os prazos exíguos que impõe a si mesmo e aos auxiliares esbarrarão em fatores incontroláveis como a Câmara, o Tribunal de Contas do Município, o Ministério Público, a falta de caixa e outros.
Nessa hora será necessário praticar a política para encontrar saídas que o mantra “gestão, gestão, gestão” não será capaz de achar.
Embora seja inequívoco que São Paulo precise, sim, da adoção de mecanismos eficientes de gestão pública, transparência, competitividade e desburocratização, e que o prefeito tenha dado, durante a transição, sinais de que pretende governar nesta direção, isso não deve se confundir com iniciativas pensadas para gerar fotos e imagens para a TV.
É hora de o prefeito descer do palco e apagar os refletores. Vestir o figurino do “João trabalhador” nada tem a ver com antecipar o carnaval se fantasiando de gari. Tem a ver com governar, aliar gestão e boa política. Isso se fará com mais eficiência quanto menor for a estridência.
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