- Valor Econômico
Esquema de corrupção da Petrobras foi criado por técnicos de carreira
Quando é indagado sobre as causas da corrupção no Brasil, o juiz Sérgio Moro costuma dizer que o mal está no loteamento político dos cargos de direção das estatais, das autarquias e da administração direta. É fato que, sim, o loteamento existe para sustentar politicamente as forças que governam o país. Na ausência de partidos fortes, cargos. Mas a ocupação de espaços na administração direta e indireta não explica, sozinha, a roubalheira que, erradamente, atribuímos a um desígnio exclusivo do Brasil.
Observe-se o caso da Petrobras, do qual trata Sérgio Moro há mais de três anos e que se transformou no símbolo da malversação de dinheiro público na história do país: o mega-esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato, que já resultou na condenação de 177 indivíduos, foi montado originalmente por funcionários de carreira da estatal e não por pessoas indicadas por políticos.
Incentivados por padrões absolutamente lenientes de governança, diretores e gerentes da Petrobras perceberam que era muito fácil desviar recursos da empresa que, na primeira metade deste século, inflada por uma política de gigantismo estatal irresponsável e danosa ao erário, orgulhava-se de tocar o maior programa de investimento corporativo do planeta - claro, às custas do Tesouro Nacional, que apenas em 2010 despejou na companhia, em recursos obtidos por meio de endividamento, R$ 51 bilhões, isto sem falar de centenas de bilhões de reais de dívida emitida para viabilizar os empréstimos subsidiados do BNDES a empresas como a Petrobras, a maior tomadora desses recursos.
Muito bem remunerados e tratados a pão de ló pelo Estado brasileiro, técnicos da petrolífera montaram esquema cinematográfico de desvio de recursos, expondo à sociedade a fragilidade dos sistemas estatais de controle. Como tanto dinheiro foi desviado por tão longo tempo sem que nenhum dos órgãos de controle percebesse? No fundo, o escândalo da Petrobras, com bilhões de reais desviados para os bolsos de funcionários, políticos e empresários desonestos, escancarou uma verdade nua e crua: a simples existência de uma empresa estatal é motivo suficiente para se esperar a ocorrência de malfeitorias com dinheiro público.
Políticos corruptos entram em esquemas como o da Petrobras no momento seguinte ao da sua criação - para que funcionários de carreira continuem ocupando cargos estratégicos, necessários à manutenção do sistema de desvios, é preciso ter pistolão em Brasília. Quando o funcionário de carreira Paulo Roberto Costa foi nomeado diretor de Abastecimento da Petrobras, nos corredores do Congresso o que se negociava era qual seria o partido, da base de apoio ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o adotaria como afilhado político.
A "filiação" política foi definida, portanto, depois da efetivação do técnico no cargo. Ora, os caminhos do esquema de corrupção já tinham sido esquadrinhados, antes da designação, portanto, daquele cargo ao PP, o partido que oficialmente bancou a indicação de Paulo Roberto, o primeiro delator da Lava-Jato.
Não se trata aqui de afirmar que a corrupção nasce entre os técnicos e os políticos apenas tiram proveito disso. Na verdade, a corrupção é um incentivo "irresistível" em instituições estatais como a Petrobras. A maior prova disso foi dada pelo próprio Paulo Roberto em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Técnico de carreira, que ingressou na Petrobras por meio de concurso e lá ascendeu por mérito, ele disse que, quando foi nomeado diretor, percebeu que não ficaria imune aos esquemas de corrupção. E declarou, então, ter se arrependido de ter assumido o cargo. A inevitabilidade da corrupção, presente nessa narrativa, é assustadora e faz pensar.
A razão por trás do desabafo de Paulo Roberto Costa é uma só: o poder de uma pessoa que ocupa um cargo dessa natureza é descomunal, maior, inclusive, que o de presidentes de grandes empresas privadas e mesmo de governadores e prefeitos de cidades importantes - a discricionariedade na tomada de decisões é definitivamente maior e dinheiro não falta; ademais, não há, respectivamente, acionistas e eleitores para o aperrearem. Diante da impunidade que sempre grassou no país e dos elos que politicamente sustentam os esquemas, o sujeito se sente intocável.
A Lava-Jato é uma interessante novidade da história brasileira. Pôs um pouco de areia na engrenagem que levou grandes empresários a se locupletarem sem medo. Mas o fato é que, embora tenha aumentado de forma considerável a percepção de risco em torno dos negócios de empresas privadas com o Estado, o caso não provocou mudanças institucionais que evitem a corrupção. Não basta ter aparato para combater as malversações; é preciso reduzir drasticamente os incentivos existentes para que elas ocorram.
Chegou o momento de a sociedade brasileira debater a utilidade da existência de tantas estatais no país - para ser exato, 149 apenas no âmbito federal: 48 sob controle direto da União e 101, subsidiárias das controladas; do total, 41 são ligadas à Petrobras, 38 à Eletrobras e 16 ao Banco do Brasil. O que o país ganha mantendo todas essas empresas sob o manto do Estado?
Por definição - inclusive, pelas regras de controle que se aplicam às estatais -, uma empresa do Estado é menos eficiente que sua concorrente do setor privado. Se é menos eficiente, lucra menos e paga menos impostos. Seu retorno para a sociedade muitas vezes é muito inferior ao que a sociedade gasta para mantê-la funcionando.
No Brasil, funcionários de companhias estatais têm estabilidade no emprego. Possuem os melhores empregos do planeta: não podem ser demitidos, a não ser por casos de corrupção; são celetistas, ou seja, mesmo tendo estabilidade no emprego, recebem FGTS, um fundo criado para indenizar trabalhadores demissíveis; gozam de benefícios incomparavelmente mais vantajosos que os da maioria absoluta dos trabalhadores; aposentam-se com vencimento integral porque as empresas mantêm esquemas generosos de patrocínio dos fundos de pensão.
Há alguma explicação plausível para o Brasil ainda ter cinco bancos federais? Justiça seja feita, um deles - o Banco do Brasil - possui acionistas privados e tem hoje boa governança, funcionando em muitos casos - a BB Seguridade é o melhor exemplo - como um banco privado; mas, se é assim, já pode ser privatizado. O outro gigante na área de varejo - a Caixa Econômica Federal - tem capital fechado, logo, é 100% Tesouro e, não por acaso, foi onde políticos desonestos se fartaram em recentes esquemas de ladroagem.
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