Autor, que lança “Presidencialismo de Coalizão”, no dia 24, fala sobre as raízes do sistema político e o atual momento da governabilidade no Brasil
Roberto Maltchik | O Globo
Com 45 anos de análises políticas, Sérgio Abranches detalha os desafios do sistema político e aponta os riscos de o próximo presidente, seja ele quem for, reproduzir o atual padrão de relacionamento entre o governo e o Congresso .“Do ponto de vista da lógica, não há nada que tenha mudado essencialmente na política brasileira que faça com que seja diferente".
• Quais são, hoje, os problemas do presidencialismo de coalizão no Brasil?
O problema não é ser presidencialista, nem de coalizão. O problema do presidencialismo de coalizão é que ele tem, progressiva e rapidamente, caminhado para um padrão absolutamente clientelista, baseado no toma lá da cá.
• Por que se agrava a cada dia?
Por várias razões, mas uma delas é o excesso de fragmentação de partidos nas coalizações. Coalizões muito grandes são muito mais difíceis de lidar. E também o fato de que não há afinidade programática nenhuma entre o presidente e os partidos de sua coalizão. E isso vai acontecer, de novo, no ano que vem. Não haverá coalizão programática.
• Não tem como ser diferente?
Do ponto de vista da lógica, não há nada que tenha mudado essencialmente na política brasileira que faça com que seja diferente. A centralização de recursos na União continua enorme; a discricionariedade do presidente na gestão do gasto público continua a mesma; e você tem um problema adicional: essa eleição de 2018 pode chegar ao fim do segundo turno sem a coalizão montada. Isso vai ocorrer entre novembro e fevereiro. Nesses quatro meses, o que sobra para negociar com os partidos? Ministérios e posição. Na verdade, o novo presidente não discutiu, em momento algum, com nenhum parceiro, o seu programa de governo.
• No livro, o senhor menciona os “partidos-pivôs” como fundamentais nas coalizões. Que tipo de partido é esse?
É o partido que representa o parlamentar básico, o parlamentar que domina o cenário na Câmara dos Deputados. Este partido já representa, nos estados, a base eleitoral. Quando chega ao Congresso, faz uma bancada grande. Nesta eleição, isso vai mexer um pouco. Mas, até 2014, o MDB sempre teve as maiores bancadas. Esse é o determinante do veto ou do voto. Sem este partido, o presidente para de ter comando sobre a agenda legislativa. É quando o Legislativo faz a pauta-bomba, a legislação que não é do interesse do presidente. Conflitante com a agenda presidencial. Foi o que aconteceu com Collor e Dilma.
• Por que a sustentabilidade é tão frágil no Brasil?
Por causa da baixa taxa de compatibilidade entre o presidente da República e sua coalizão. Compatibilidade ideológica. No caso da Segunda República, ela era menos casuísta, menos oportunista, do que a Terceira República foi se tornando. Na Terceira República, havia uma aliança natural que poderia ter sido formada entre PT e PSDB. Ela se inviabilizou, abrindo espaço para o surgimento dos partidos de orientação parlamentar, que são pivô de qualquer coalizão.
• E parecem cada vez menos compatíveis entre si...
Os problemas de gestão da coalizão se tornaram muito mais complicados nos governos do PT. E, neste contexto, você passa a ter os impulsos, que nascem das divergências internas da coalizão, para a corrupção. No caso do governo Fernando Henrique, ele ficou refém do Congresso ao propor a reeleição. O mercado político mostrou: “você será o primeiro beneficiado, você paga tudo”.
• Como conciliar o interesse dos aliados, vocacionados a atender sua base eleitoral, e o plano do presidente, que deve atender à Federação, sem o modelo clientelista?
A gente tem uma diferenciação dos interesses do presidente e do Legislativo. Ela decorre do modelo de eleição federativa. O presidente é eleito pelo Brasil, ele precisa de maioria de votos em cerca de 15 estados para vencer uma eleição. Os deputados são eleitos em seus redutos. Um conjunto delimitado de municípios. Com o excesso de concentração de poderes da União, essa diferença de interesses se agrava e se radicaliza profundamente. Esse é o caminho do clientelismo e da corrupção porque o presidente administra todo o orçamento da República na boca do caixa. Eu não creio que a gente vá resolver esse problema sem enfrentar o problema da descentralização federativa. Não resolve se a gente não devolver parte da capacidade tributária e de gastos aos estados e municípios, fazendo com que essas demandas locais, mais associadas às bases políticas dos parlamentares, se resolvam no âmbito local.
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