sábado, 28 de abril de 2018

Marco Aurélio Nogueira*: Força e fraqueza das instituições

- O Estado de S.Paulo

Mal-estar institucional é real, insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores

Devemos relativizar a ideia de que as instituições estão funcionando a contento na vida brasileira. Não estão.

A avaliação do quadro precisa ser ponderada. Bem ou mal, a democracia política vem sendo acatada como regime de governo e representação. O País segue em frente, a coesão social não se desfez nem há retrocessos políticos à vista. Além disso, a Justiça vem acumulando vitórias contra a corrupção e a desigualdade jurídica entre os cidadãos, passando à sociedade a sensação de que a impunidade está sendo combatida. A controvérsia é grande entre políticos e especialistas, mas a população vê com bons olhos a atual fase de ativismo judicial.


O mal-estar institucional, porém, é real. Insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores. Hoje, no Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras instituídas, mas fazem isso sem muita convicção. A adesão se faz por “gratidão” ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou “apreço”.

O sistema político expõe a céu aberto suas chagas e contradições. Parte expressiva dos parlamentares está submetida a investigações judiciais ou já é condenada. A população olha para eles com um misto de indiferença, “esperança” e temor. A elite política não goza da confiança dos cidadãos. Incentiva os cidadãos a buscarem lideranças messiânicas como uma válvula de escape para a sobrecarga de problemas. A contraposição ideológica e a fragmentação são intensas, mas os confrontos que disso decorrem são toscos. Não opõem esquerda e direita, socialismo e capitalismo ou Estado e mercado. Depois de ter assumido a configuração artificial PSDB versus PT, a polarização decaiu mais um pouco e hoje gira em torno de lulistas e antilulistas. Seu efeito complica a formação de consensos e envenena o debate democrático.

O sistema eleitoral e partidário está estabelecido, mas muitos o veem como mal articulado, dispendioso demais e eficiente de menos. Os partidos, que são os principais operadores políticos, têm poucas ideias e não percebem onde erraram e o que deveriam fazer para melhorar. Vivem para obter vantagens e controlar os votos já obtidos, dos quais julgam ser donos.

No Executivo, a administração pública melhorou seu desempenho ao longo do tempo. É o fator que garante o funcionamento de organismos vitais para a vida social e a execução de políticas públicas complexas. Os servidores públicos, porém, vivem cercados por uma névoa de desconfiança da população, que não consegue compreender as particularidades das carreiras de Estado nem as dificuldades inerentes às atividades dos servidores, que são criticados por um sem-número de problemas e “pecados” que não são por eles provocados. Os gestores pagam alto preço pela falta de comando e pelos desacertos governamentais.

A outra parte do Executivo tem que ver com o governo e, nesse caso, com o governo Temer, que hoje carrega a mesma imagem negativa dos parlamentares. É visto como um governo de patotas e suspeitos de corrupção, para dizer em poucas palavras.

Sobra, por fim, o Poder Judiciário. Ele também conhece crise e desgaste, mas tem conseguido “mostrar serviço” e obter reconhecimento social. Em boa medida, é o que as Repúblicas democráticas esperam do sistema judiciário, que deve nelas funcionar como um veículo de estabilização institucional graças às funções que desempenha, de garantir o cumprimento da Constituição e de fazer valer a máxima “todos são iguais perante a lei”.

O sistema de Justiça como um todo, porém, sofre sempre que suas instâncias superiores (o STF) não mostram coesão, coerência e serenidade. Suas disputas internas arrastam o sistema para o purgatório e rebaixam sua qualidade. A Corte Suprema, em particular, age como se tivesse o destino da vida nas mãos. Mergulha no jogo político, faz e desfaz decisões ao sabor de conveniências, com direito a reviravoltas pouco razoáveis, tudo para beneficiar políticos e cortar a autonomia da Lava Jato, como se viu na decisão da segunda turma desta semana. Quando ministros como Toffoli, Gilmar e Lewandowski atuam para “estancar a sangria” e frear a Lava Jato, o STF tem sua imagem ofuscada e sua funcionalidade prejudicada. Joga o País na insegurança e compromete avanços importantes obtidos pelo próprio sistema de Justiça.

Somos uma nação atravessada por privilégios, na qual os mais ricos e poderosos usufruem vantagens comparativas perversas, devidamente alimentadas por uma cultura normativa e corporativa de tipo bacharelesco, com advogados aos montes, recursos protelatórios abusivos e esquemas de proteção. O Judiciário ressente-se disso e nos últimos anos passou a experimentar forte disputa interna em torno de seu funcionamento e de sua reforma. Falamos em “garantistas” e “punitivistas” por comodidade: o que há é uma tensão entre republicanos retóricos e republicanos ativos.

A posição institucional do Judiciário deveria levá-lo a funcionar com um fator de reposição da virtuosidade sistêmica. Congestionado pelo facciosismo de ministros, o STF rebaixa-se como instituição. Fica impossibilitado de “educar” a sociedade para o respeito às garantias constitucionais e ao Estado de Direito e não mais recebe da sociedade a disposição de defender a República democrática.

Os eventos dos últimos anos mostram que o Judiciário se converteu no Poder que atrai maior confiança e expectativa social. Isso se deve ao fracasso dos demais Poderes, particularmente do Legislativo, bem mais do que a uma intenção deliberada de juízes, procuradores e servidores do Judiciário. O problema é que, se esse arranjo não encontrar barreiras, poderá levar a uma sobreposição da política pela Justiça, com consequências que não seriam benéficas para a democracia.
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* Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp

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