- Folha de S. Paulo
É preciso separar consequência de intenção e reconhecer a demanda por justiça imanente ao 'populismo penal'
É preciso separar consequência de intenção e reconhecer a demanda por justiça imanente ao “populismo penal”.
As controvérsias em torno da execução de 13 homens no morro do Fallet, a morte de Pedro Henrique Gonzaga por um segurança no supermercado Extra e a proposta de Sergio Moro de ampliar o conceito de legítima defesa mostram a relevância política crescente dos debates sobre punitivismo penal no Brasil.
Como a última campanha eleitoral deixou claro, não se tratam de discussões pontuais sobre medidas legislativas, mas conflitos fundamentais sobre visões de mundo que estão polarizadas.
A combinação de endurecimento de leis criminais e leniência com o abuso de força policial ou parapolicial tem sido chamada pela literatura acadêmica de “populismo penal” ou "punitivismo".
Os estudos sobre populismo penal, promovidos por defensores do sistema de direitos humanos e de abordagens de políticas públicas baseadas em evidências, têm tentado explicar o crescimento do fenômeno por dinâmicas políticas e eleitorais, por distorções na percepção do crime nos meios de comunicação ou por dificuldades da sociedade contemporânea em lidar com o risco.
Segundo essas análises, o punitivismo penal seria um discurso demagógico e irresponsável porque exploraria uma posição muito equivocada, mas que é de forte e fácil apelo.
O que a crítica muitas vezes esquece, porém, é que a demanda pelo endurecimento penal é um grito contra a injustiça. Ela parte do entendimento de que o desrespeito à vida e à propriedade está banalizado. Frente a uma injustiça reiterada e flagrante, demanda medidas enérgicas e imediatas que restaurem a ordem e o direito.
Se os defensores de outras abordagens para a política penal quiserem conquistar a opinião pública perdida, é necessário, antes de tudo, reconhecer a boa fé e o senso de justiça de quem adota discursos punitivistas, e não tratá-los como atores irracionais portadores de um discurso de ódio.
É preciso partir da legítima demanda por justiça, mas contrapor à indignação bruta ponderações sobre a arbitrariedade e sobre a proporcionalidade da punição.
Será que os que estão indignados com a violência, se forem levados a refletir, estariam dispostos a viver num mundo no qual uma polícia com plenos poderes pode entrar em qualquer residência e impor uma pena de morte sumária e arbitrária, sem direito de defesa?
Precisamos distinguir o efeito da intenção dos agentes. Talvez tenha chegado o momento de deixar de ver os punitivistas como monstros movidos pelo ódio, reconhecer seu legítimo anseio por justiça e transformar essa indignação em força reformista em prol de uma justiça que seja eficiente, equilibrada e proporcional.
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