terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Merval Pereira: Uma questão pessoal

- O Globo

Presidente Bolsonaro demonstra uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar

Ao definir como “de foro íntimo” os motivos para a demissão do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, seu ex-amigo Gustavo Bebianno, o presidente Bolsonaro revela muito mais do que parece, não se sabe se intencionalmente. Pelo depoimento gravado divulgado no final da noite, onde diz que continua acreditando na seriedade de Bebianno, o uso da expressão “foro íntimo” pode ter sido apenas um vício de linguagem.

Colocando a demissão no campo pessoal (“julgamento da consciência acerca de coisas morais”), Bolsonaro confirma, porém, que não houve razão funcional para descartar Bebianno com 50 dias de governo. O presidente Bolsonaro demonstra, assim, uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar. A decisão de ir pessoalmente ao Congresso para entregar a reforma da Previdência, porém, mostra que o presidente procura reconstruir a confiança abalada entre os políticos.

Dizia-se, e Fernando Henrique assumiu essa definição, que as crises saíam menores de seu gabinete. Com Bolsonaro, é o contrário até o momento. Embora tenha dado sinais, esta semana, de que não pretende atear mais álcool na fogueira de vaidades que sempre cerca um presidente, Bolsonaro saiu menor desse episódio, seja pelo bate-boca com seu ministro, humilhando-o publicamente, seja pela demora de uma decisão.

Temos exemplos ultimamente de presidentes que demitiram ministros sem dó nem piedade, desde Dilma, que bateu recorde em quantidade, mas não em rapidez, marca que fica com Bolsonaro, passando por Lula e Fernando Henrique. Lula demitiu José Dirceu e Palocci, quando estes passaram a ser um fardo político. Fernando Henrique não hesitou em demitir seu amigo Clóvis Carvalho, para avalizar posições do ministro da Fazenda, Pedro Malan.

O ex-ministro Bebianno em si não tem importância, não tinha passado político nem mandato popular, e só ganhou importância devido ao bate-boca com Carlos, o filho de Bolsonaro vereador que se coloca como defensor do pai em várias situações.

Carlos, aliás, foi quem anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, mas se recusou a anunciar a nomeação de Bebianno. Os dois disputavam, desde a campanha presidencial, o controle da comunicação digital de Bolsonaro, um instrumento básico para sua atuação política.

Bebianno levou para a campanha, e depois para o grupo de transição, o empresário Marcos Aurélio Carvalho, dono da agência AM4, identificado como o responsável pela campanha digital do presidente eleito, o que irritava Carlos. Como de hábito, essa irritação transbordava para o Twitter e tinha acolhida pelo pai. No caso da dispensa de Carvalho, que não ficou nem mesmo um dia no grupo de transição, a nota oficial do Palácio do Planalto o identificava como “o autointitulado marqueteiro digital da campanha”. Justamente o que Carlos postara mais cedo em sua conta pessoal.

A demissão de Bebianno, um dos primeiros a aderir à candidatura de Bolsonaro, afeta muito a confiança dos políticos no presidente, e está preocupando militares e assessores mais próximos, que alegam que não terão mais confiança nas conversas com ele sem saber o que os filhos pensam. Ou já colocaram no risco a possibilidade de ver um WhatsApp para o presidente vazar para o público. O Twitter dos filhos é um fator sem controle e pode alvejar qualquer um.

A Secretaria-Geral da Presidência, que agora será ocupada pelo general Floriano Peixoto, sempre teve papel importante na estrutura palaciana, pois seu titular é quem lida diretamente com o presidente da República, entra sem bater no gabinete presidencial e cuida da sua agenda — é uma espécie de secretário particular com todo o poder que secretários particulares sempre tiveram.

Exemplos claros desse poder são José Aparecido, com Jânio; Heitor Ferreira, com Geisel e Figueiredo; e Gilberto Carvalho, com Lula, já sob o nome de Secretaria-Geral da Presidência. É um lugar que pode ser estratégico, a depender da confiança do presidente em seu secretário particular.

A de Bolsonaro em Bebianno, que parecia grande, se deteriorou já na campanha, tanto que a estrutura do cargo foi esvaziada, e o general Floriano Peixoto foi colocado logo abaixo dele. Dizia-se que fora Bebianno quem o escolhera, para ter acesso aos militares que trabalham diretamente no Palácio do Planalto e adjacências. Com sua nomeação para substituí-lo, é mais provável o contrário.

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