Mergulhado no esforço de definir e aprovar a reforma da Previdência, o governo terá de se voltar também para um problema igualmente importante - a crise fiscal dos Estados. Desde o início do ano, uma romaria de governadores tem ido a Brasília procurar a ajuda do presidente Jair Bolsonaro e da equipe econômica; e sete Estados já decretaram calamidade financeira. Tudo indica que o Palácio do Planalto vai aproveitar a situação de aperto para barganhar apoio dos governadores junto ao Congresso a favor das mudanças na aposentadoria.
Previdência é também um grave problema para os governadores e a solução dada pelo governo federal pode abrir caminho para o ajuste dos Estados. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) apurou que, para cada 100 funcionários públicos na ativa nos 26 Estados e Distrito Federal havia, em média, 88 aposentados e pensionistas, em 2017 (Valor 18/2). Em alguns Estados, o número de aposentados e pensionistas já supera o contingente na ativa, cujas contribuições, teoricamente, pagariam os benefícios dos primeiros. Vantagens do servidor como aposentadoria integral e tempo de serviço menor do que o do INSS agravam o problema.
Certamente os Estados se ressentiram da queda da arrecadação causada pela recessão de 2015 e 2016 e pela fraca atividade dos últimos dois anos. Mas os gastos subiram aceleradamente, com diversos tipos de consequências. O Tesouro acaba de informar que teve que honrar R$ 565,05 milhões em dívidas atrasadas de Estados, em janeiro. No ano passado inteiro, a União quitou R$ 4,803 bilhões de dívidas em atrasos de Estados; em 2017 foram R$ R$ 4,059 bilhões, de Estados e municípios; e, em 2016, R$ 2,377 bilhões.
Além das dívidas pendentes, os investimentos foram negligenciados, mesmo quando a receita cresceu mais. Relatórios fiscais do ano passado mostraram expansão de 7,23% da receita corrente líquida consolidada dos 26 Estados, e aumento de 6,32% das despesas de pessoal. Mas os investimentos caíram 2,4%, apesar de ser último ano de mandato dos governadores, quando há uma ampliação dessa conta (Valor 12/2). Os gastos de pessoal, chegaram a comprometer 70% das receitas de alguns Estados, superando o limite de 60% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além dos sete Estados que decretaram calamidade financeira, pelo menos nove não cumpriram o teto de gastos em 2018, de acordo com dados preliminares examinados pelo Comitê de Secretários de Fazenda (Comsefaz). Até 20 de março os Estados vão enviar os dados finais ao Tesouro. O teto de gastos foi estendido aos Estados pela lei complementar 156, de dezembro de 2016, como contrapartida ao prazo adicional de 20 anos para a quitação das dívidas estaduais renegociadas pela União e à redução dos pagamentos mensais feitos ao Tesouro. O Estado que não controlar as despesas terá que devolver os recursos que deixou de pagar, em parcelas mensais, com encargos. Por isso, os Estados querem mais prazo e que o cumprimento do teto de gastos seja exigido apenas neste ano. O Tesouro já se declarou aberto a negociar, no 2º semestre.
As pendências não param por aí. Estados mais ativos no comércio exterior estão brigando para ampliar as compensações do ICMS não cobrados das exportações previstas na Lei Kandir. Mas o Orçamento deste ano não prevê recursos para essa finalidade. Alguns resolveram criar novos tributos sobre produtos agrícolas. Mato Grosso passou a taxar a comercialização de soja, algodão, carnes, madeira e milho. Em outros casos, a briga é por uma fatia maior do Fundo de Participação dos Estados. O problema é tão grave que especialistas como Armínio Fraga, Ana Carla Abrão e Ari Sundfeld sugerem mudanças radicais nas carreiras dos servidores, como o fim das promoções automáticas e a avaliação de desempenho, a realização de um novo ajuste e a revisão da LRF, ampliando o prazo para o ajuste de dois quadrimestres para dez anos.
O receio é que se erre o diagnóstico achando que a razão das dificuldades dos Estados é apenas falta de dinheiro quando, na verdade, há excesso de gastos. Como avalia a Fitch Ratings, a LRF limita os gastos com pessoal, mas não prevê mecanismos para restringir o crescimento geral das despesas. Dessa forma, quando os Estados se beneficiaram de um aumento temporário nas receitas, as despesas cresceram. Mas quando o contrário ocorreu e houve queda nas entradas de recursos, os gastos não diminuíram.
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