- O Globo
As contradições aí estão, dia a dia, a tirar toda a sequência do discurso presidencial
O inédito do governo Bolsonaro é já ter perdido a esperada lua de mel das primeiras semanas no poder. As contradições aí estão, dia a dia, a tirar toda a sequência do discurso presidencial. Atropelam-se, ainda, as iniciativas dos filhos, criando uma múltipla interrogação para o próximo passo. Tanto — e de imediato — a fragilizar a sua vigência, já se verificam substituições no Ministério. Reconheceu a insatisfação generalizada com o titular da Educação, a quem, não obstante, Bolsonaro quis dar mais uma oportunidade. Emerge, em contraste, a solidez do ministro Guedes, que, em proclamado desinteresse do cargo, define condições muito claras para sua mantença no governo.
Avulta a desinformação histórica do presidente no proclamar agora, em Israel, o esquerdismo do regime nazista. Significativamente, não se articulou também o foco oposicionista. A esquerda se omite por inteiro. Não há uma sequência ao petismo, nem um novo protagonismo que leve à lógica de um discurso de confrontação continuada. Deparamos sua conformação com o que está aí, apostando no êxito de sua inércia. A alternativa morre no pantanal de um dito Centrão, a amortecer, dentro do sistema, o começo da alternativa para a modorra do status quo.
Por força, a inércia será levada à radicalidade na pretensão ideológica de Olavo de Carvalho. Mas só se depara um simulacro de qualquer confronto, na encenação do gesto mofino do dia sem amanhã, nem memória.
Expande-se mais ainda nestes dias um confronto com o Parlamento e o vis-à-vis de Bolsonaro com o presidente Maia, da Câmara. Todo o passo à frente vai depender da clássica retomada do toma lá dá cá na conquista do voto a voto dos deputados. O leilão se torna ostensivo, e o desfecho do voto na Câmara conta, um a um, com esse suado somatório. Em todas as buscas do que possa ser a estabilização, cresce como nova regra do jogo o compulsório silêncio presidencial. É ideal praticamente impossível, tanto se acumulam os deslumbres do novo chefe de Estado com a presumida onipotência dos seus discursos. Nada mais imponderável e desgarrado do que o presidente que quer dizer a que veio. Não tem, inclusive, assessoria para formulá-lo. Só se acelera a fatalidade de seu impeachment.
*Candido Mendes é membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações
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