O governo sofreu mais uma significativa derrota no Congresso em razão de sua patente desorganização. A votação do texto da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, prevista para segunda-feira passada, ficou para a próxima terça-feira.
Mas o atraso da tramitação, fruto da inabilidade dos operadores políticos do Palácio do Planalto, é hoje, ao que parece, o menor dos problemas do governo. O mais grave é que a proposta poderá ser desidratada já na CCJ, que avalia apenas se os projetos estão de acordo com a Constituição, sem analisar o mérito. Seria um revés e tanto, pois esperava-se que a reforma encaminhada pelo governo só começasse a ser modificada na Comissão Especial, próxima etapa da tramitação.
Em tese, o governo não deveria enfrentar problemas na CCJ, pois, dos seus 66 integrantes, menos de 20 são da oposição. Mas, ao que parece, os articuladores do Palácio do Planalto não conseguiram costurar a maioria necessária para fazer prevalecer seus interesses mesmo antes de levar seus projetos a plenário – e o risco de que essa inabilidade resulte em desidratação excessiva da proposta de reforma da Previdência, ou mesmo em derrota total, não é desprezível.
Na segunda-feira passada, por 50 votos a 5, a CCJ inverteu a pauta daquele dia, que previa o início da votação da reforma da Previdência, e colocou em primeiro lugar a emenda do Orçamento impositivo – aprovada em votação simbólica. A inversão da pauta foi pedida pelo PT, que tem todo interesse em retardar ao máximo a tramitação da reforma.
O governo foi passado para trás por um acordo dos partidos do chamado “Centrão” e da oposição com o intuito de inverter a pauta da CCJ. Sem uma orientação clara do Planalto sobre o que fazer, e aparentemente sem conhecer a fundo os ritos da tramitação na CCJ, os governistas passaram o dia a defender a manutenção da pauta, mesmo sabendo que não tinham votos para barrá-la. Com isso, o processo todo atrasou, exatamente como queria a oposição.
O problema poderia ter sido mitigado se os articuladores governistas tivessem tentado um acordo com o “Centrão”, mas consta que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ordenou que não se fizesse qualquer tipo de acerto com aquele bloco.
Quando a derrota já estava desenhada, aconteceu então o mais inusitado: deputados do PSL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, juntaram-se à maioria, aprovando a inversão da pauta na CCJ. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), tentou transformar a derrota em vitória “espetacular”, ao dizer que o presidente Bolsonaro “proporcionou” a votação da emenda do Orçamento impositivo, por já ter defendido essa pauta quando era deputado. Trata-se de uma lógica difícil de acompanhar.
Mais realista foi o deputado Felipe Francischini (PR), presidente da CCJ e correligionário do Delegado Waldir no PSL: “Eu confesso que estranhei. Eu não entendi nem meu partido. Se eu falasse pelo PSL, eu não votaria a inversão da pauta”. Coube então a deputados do PSDB e do Novo defender a manutenção da pauta da CCJ, dando prioridade à reforma da Previdência – como deveriam ter feito os governistas. “Para nós, prioridade é a Previdência”, disse o deputado tucano Samuel Moreira (SP), que não escondeu a estupefação: “Eu não estou entendendo. O próprio governo parece que não quer debater. O que está acontecendo?”.
Na quarta-feira, uma nova manobra do “Centrão”, cujos deputados demandam diversas mudanças no relatório da CCJ sobre a reforma, levou a mais um adiamento da votação. E eles deixaram no ar a ameaça de rejeição do texto do relator da reforma, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), denotando o total descontrole do governo sobre o destino da proposta. Enquanto o ministro Lorenzoni disse que considera “normal” o que está acontecendo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou ao site G1 que “faltou organização do governo”.
As derrotas na CCJ foram só um aviso: a se manter a incrível inabilidade de sua articulação no Congresso, travestida de “nova política”, o governo pode ver sua reforma derrotada logo na CCJ, o que seria, além de um patente atestado de incompetência, um desastre para o País.
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