- O Estado de S.Paulo
Reunião ministerial não deixa dúvidas sobre a interferência do governo em órgãos de Estado
O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, prova citada pelo ex-ministro Sérgio Moro para sustentar sua denúncia de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações privilegiadas e sigilosas, conta várias outras histórias absurdas, ilegais e imorais, além desta. Sobre a interferência em órgãos de Estado a discussão não deixa dúvidas, pois o próprio presidente a admite, inclusive trocando, ao longo de todas as suas manifestações, o velho “taok” por um novo “ponto final”, agora seu desfecho peremptório. “Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas e ponto final”, “interfiro e ponto final”.
A obsessão pelo tema levou Bolsonaro a revelar ação de outros serviços eficientes. Antes de entrar a tarja da censura judicial a esta parte da reunião, deu para entender que ele citava um serviço de informação chinês tanto circulando aqui e como nos Estados Unidos.
A novidade desta questão da informação, só conhecida com a divulgação do vídeo, é a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro tem um esquema paralelo pessoal de informação que funciona, enquanto todos os demais, do Estado, não funcionam.
Foi também absurda a insistência com que se referiu à necessidade de armar o povo, pior ainda a razão: para defender-se de ditadura. “Como é fácil impor uma ditadura aqui; o povo, se tivesse armado, iria para a rua”. Povo armado na rua é revolução, crime organizado ou forças Armadas. Bolsonaro quer armar o ovo para enfrentar prefeito que fixou regras de isolamento social durante a pandemia.
Abraham Weintraub fez o que se considerava impossível, superou as expectativas e a si próprio: Definiu “Brasília”, não a cidade, mas um fantasma com esse nome, como cancro. E mais do que a já conhecida agressão a Supremo Tribunal Federal, que gostaria de ver todo preso, ele insultou o próprio governo que o abriga, denunciando intrigas palacianas e a presença de muita gente com “agenda própria”, que veio para “jogar”. Ou seja, um bando.
Talvez pelos estudos feitos, não se esperava que o ministro Paulo Guedes fosse insistir, um ano e meio depois de conhecer o funcionamento de uma democracia pelos seus canais internos. Expôs as rasteiras que planeja dar aos demais poderes. Referiu-se a uma clara intenção de ludibriar. Deixou claro que usará o Congresso para aprovar as coisas e, se em determinado momento, soltarem a mão, já terá condições de seguir em frente sozinho.
Lição aprendida pelo ministro Salles “vamos aproveitar que a imprensa só fala de covid para passar (aprovar no Congresso) as reformas infralegais”.
O presidente esbravejou, pediu defesa do governo, respostas e briga frontal, afirmando que, “a continuar assim, vamos ter crise política de verdade”. É aqui que sua conduta na reunião onde se passou o suposto crime objeto de inquérito no Supremo se mistura à nota assinada pelo ministro chefe da GSI, Augusto Heleno, com as ameaças insinuantes de sempre.
Recorreu à intimidação que ainda provoca seu título de general, ainda que sem tropas, para reagir ao trâmite institucional de um pedido dos partidos políticos para exame do aparelho de telefone celular do presidente da República. Eleno ruge, é considerado o mais violento dos ex-militares em postos civis no governo, mas para morder faltam-lhe os dentes.
Nenhuma estratégia de combate à pandemia que massacra os brasileiros, nenhuma palavra de comiseração às vítimas do coronavírus. Ao contrário, citando como se fora marketing numa hora dessas, o presidente criticou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. Até isto, em passant.
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