O que seria para instruir o inquérito de Moro virou um retrato mais preocupante de Bolsonaro
Enquanto se aguardava, na tarde de ontem, a divulgação do vídeo da reunião de ministros de 22 de abril, pelo ministro do Supremo Celso de Mello, uma nota fora de tom de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), explodiu os projetos de pontes que o governo havia lançado no dia anterior, na reunião do presidente com os governadores, num competente desserviço ao Planalto, e não serviu para proteger Bolsonaro das ameaças jurídicas que o cercam.
Ou o general da reserva considera que as Forças Armadas se disporiam a quebrar a ordem institucional que perdura há 32 anos, investindo contra o Supremo, que cumpre ritos legais, respaldados na Constituição? Por exemplo, o seguido pelo mesmo Celso de Mello de, como é praxe, remeter pedidos de partidos e parlamentares de investigação de Bolsonaro ao procurador-geral da República. Entre eles, o acesso ao telefone celular do presidente, contra o que se insurgiu Heleno, de maneira descabida, com a ameaça de um conflito institucional, de “consequências imprevisíveis”. Serviu para atrair justificadas reações de repúdio e para confirmar que o calejado general da reserva passou a fazer parte do núcleo ideológico do bolsonarismo.
Os trechos do vídeo da reunião ministerial liberados por Celso de Mello ajudariam a confirmar que Augusto Heleno não está sozinho no ministério. Celso de Mello decidiu não liberar a íntegra, o que facilitaria a compreensão do contexto em que o presidente ameaçou intervir na sua “segurança” no Rio, embora se referisse mesmo à “PF”, sigla que pronunciou quando reclamava da falta de informações. Este trecho, infelizmente, foi cortado no início da frase, mas o conteúdo do que restou do vídeo sustenta a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que as citações a trocas na “segurança”, na sua chefia e até de ministro, se referiam a ele mesmo. Para confirmar o que disse, no dia seguinte à reunião, dia 23, Moro saiu do governo, e o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi exonerado “a pedido”, sem que ele e o ministro assinassem a demissão.
O espetáculo foi roubado pelo conjunto dos trechos liberados por Celso de Mello, em que há cenas fortes de um grupo de ministros sem qualquer rumo estratégico estabelecido por um presidente que é mais um agitador de comício do que coordenador de governo, que distribui seu tempo entre gritos, slogans e palavrões, como se estivesse aboletado naquela caminhonete sobre a qual desfilou na manifestação antidemocrática em frente ao QG do Exército, em Brasília, no mês passado. O resultado é um grupo de ministros tensos.
A rigor, não há novidades — exceção à confirmação feita pelo presidente de que conta com um sistema de informações pessoal, portanto, na ilegalidade —, mas tem impacto a forma como Bolsonaro diz que deseja armar o povo, “porque povo armado não será escravizado”. Precisará mesmo desmontar toda a legislação desarmamentista, o que já faz. Bolsonaro dá a entender que tem devaneios sobre o povo armado. Uma inveja recalcada do chavismo de Maduro e do que aconteceu na Cuba de Fidel. Um delírio, mas perigoso.
O presidente deixa claro que deseja um ministério de fiéis bolsonaristas que o defendam — é possível decifrar recados para Moro nesses momentos. E trocará qualquer um, a qualquer momento, fazendo uma exceção a Paulo Guedes, da Economia, para desgosto de Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, aliado dos militares no Pró-Brasil, programa de figurino geiselista que atraiu a ira de Paulo Guedes. A altercação que teria havido entre os dois ministros não consta das cenas liberadas.
Abraham Weintraub confessou-se um militante — de extrema direita, por suposto — e, por isso, deduz-se, não se dedica como deveria às funções de ministro da Educação, um cargo estratégico, que também não merece atenções de Bolsonaro. No que foi divulgado, nenhuma pergunta foi feita a Weintraub, por exemplo, sobre o Enem na pandemia. Como disciplinado militante, o ministro alvejou com palavrões quem ele acha que obstrui a marcha do país para a redenção. Os ministros do Supremo foram brindados com um ataque de baixo nível do ministro.
Na bancada dos ministros ideológicos radicais, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, discorreu sobre sua estratégia de aproveitar enquanto a imprensa está voltada para a Covid-19, a fim de alterar normas e instruções sobre o meio ambiente, sem a necessidade de ouvir o Congresso, no seu óbvio trabalho de desmontar a estrutura de fiscalização e punição de crimes ambientais. Falou para os colegas como se estivesse dando uma dica. E estava.
Dessa bancada, Damares Alves, do Ministério da Mulher e da Família, parecia que faria uma exposição objetiva, ao alinhar alguns números sobre crianças abandonadas e idosos em asilos, mas perdeu o prumo ao ameaçar governadores e prefeitos de “prisão”, por tomarem medidas em defesa do isolamento social, prerrogativa legal deles. A ministra se alinhou ao grupo dos que não têm qualquer preocupação com limites institucionais do cargo. Bolsonaro, o primeiro deles. O que se viu é preocupante, principalmente considerando o tamanho da crise em que o país naufraga.
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