- O Globo
O vídeo mostra um governo completamente insensível à grave crise de saúde pública que vivemos
Todo mundo sabe que o presidente Bolsonaro interveio na Polícia Federal, e é preciso ser um nefelibata para acreditar que essa intervenção não tinha intenções não republicanas. Mas, como tudo na vida, depende de quem quer ver e escutar. Agora, é a vez do atual Procurador-Geral, Augusto Aras, querer ou não ver e ouvir.
Se, como tudo indica, ele decidir arquivar o processo, sem oferecer a denúncia, estará fazendo como o Centrão, que provavelmente protegerá Bolsonaro como protegeu Temer, em troca de cargos no governo. Fechando os olhos para as evidências, sem se esforçar para juntar dois mais dois.
Em termos jurídicos, já há quem diga que não há substância no vídeo da reunião para acusar frontalmente o presidente da República de crime de responsabilidade, embora ele tenha dito alto e bom som que interviria nos ministérios, e especificou: “Eu não posso ser surpreendido com noticias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”.
Como foi por isso que o ex-ministro Sergio Moro deixou o cargo, (e a reunião antes de seu fim), é óbvio que a nomeação do novo diretor-geral da Polícia Federal tinha o objetivo de permitir que o presidente Bolsonaro não seja “surpreendido por notícias”.
Ato contínuo, a imediata nomeação do novo superintendente da PF no Rio só confirma os interesses específicos do clã Bolsonaro para proteger, como o próprio presidente admitiu, sua família e seus amigos.
Pela denúncia do ex-aliado Paulo Marinho, o então deputado estadual Flavio Bolsonaro não foi surpreendido pelas notícias em relação à Operação Furna da Onça, e pôde proteger o amigo do seu pai Fabrício Queiroz, demitindo-o antes que a PF chegasse. Se quiser investigar, o Ministério Público chegará aos culpados.
O que o vídeo revela é uma paranóia de Bolsonaro por informações clandestinas como se fosse seu direito absoluto. A certa altura ele diz “o meu serviço de informações particular funciona”. Logo no início do governo, quando era ministro secretário-geral da Presidência, o falecido Gustavo Bebiano, segundo relato do próprio, viu o 02 Carlos com um amigo delegado da Polícia Federal no Planalto, e soube que estavam propondo a criação de um sistema paralelo de informações para abastecer o presidente Bolsonaro.
Ele contava que dissuadiu o presidente, argumentando que aquela montagem poderia gerar um pedido de impeachment. Meses depois, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ao General Augusto Heleno que alguns deputados o haviam procurado para se queixar de que estariam sendo gravados em conversas no Palácio do Planalto, ou quando se comunicavam com alguém de lá.
O boato de que esse sistema paralelo estava em plena atividade corria pelo Congresso. O General Heleno tratou de acalmar Maia: “Isso já acabou”. Acabou?
O vídeo mostra um governo completamente insensível à grave crise de saúde pública que vivemos. Somente o então ministro da Saúde Nelson Teich falou sobre a pandemia, passando a reunião inteira de boca aberta, parecendo bestificado com sua primeira e única reunião ministerial.
O resumo dessa ausência de empatia pode ser dado pela fala sabuja do presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães, que se coloca como uma alternativa a Paulo Guedes. Ele disse que na sua Caixa “não tem essa frescura de home office” e que se pegar a Covid-19 tomará “um litro de hidroxicloroquina”. Mais subalterno não é possível. O cinismo do ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles merece destaque, considerou a pandemia uma oportunidade para "passar a boiada" enquanto a imprensa está distraindo o povo com a cobertura do coronavírus. É o que está fazendo, e as queimadas na Amazônia estão aumentando, CQD.
Ver aquele colegiado dirigindo os destinos da Nação é triste: Damares dizendo que vai mandar prender governadores, Weintraub pedindo a prisão dos Ministros do Supremo; Bolsonaro falando palavrão como vírgula, chamando dois governadores de bosta e estrume; lembrando Chavez falando sobre o povo armado. Coroando tudo, a bravata do General Heleno, do GSI, ameaçando o Supremo com “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” se o celular do presidente Bolsonaro for requisitado. Em qualquer país civilizado, esse vídeo seria impensável. É o registro histórico de um governo que nos envergonha a todos.
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