Pandemia,
populismo, inflação alta e um cenário externo menos favorável vão complicar o
quadro econômico
A
matéria de Lucas Hirata, manchete do Valor de uma semana atrás, impressionou: A
bolsa de valores “sofreu fuga recorde de capital externo após a intervenção do
presidente Jair Bolsonaro na Petrobras. Investidores estrangeiros retiraram,
segundo a B3, R$ 9,2 bilhões no período de três pregões desde o estouro da
crise”. No mês, os estrangeiros tiraram R$ 6,8 bilhões da bolsa, depois de três
meses investindo uma média de R$ 28,3 bilhões ao mês. Com essa virada, não
surpreende o Ibovespa ter caído 5,1% em fevereiro.
Dois
fatos determinaram esse movimento, nenhum deles provável de ser revertido nos
próximos meses.
Primeiro,
a percepção de que o “estilo populista” do presidente influenciará cada vez
mais na política econômica, conforme as eleições se aproximem e a economia siga
sem se recuperar.
Reflita
um instante sobre a coreografia da crise da Petrobras. O mandato de Roberto
Castello Branco estava acabando e ele logo poderia ser substituído, sem ruído ou
o presidente se envolver. Este, porém, optou por comandar a mudança, via a
imprensa, com grande alarde, supostamente para impedir uma paralisação de
caminhoneiros. Como mostrou Malu Gaspar, porém, esse risco não existia (glo.bo/3kD06MY). A conclusão
é que a “crise” foi construída do nada, para colocar o presidente do lado do
“povo” contras as “elites”. Nas suas palavras: “O petróleo é nosso? Ou é de um
pequeno grupo no Brasil?”.
Ao fim, a ruidosa destituição de Castello Branco rendeu o resultado que buscava: grande exposição do presidente na mídia.
Até
aí, trata-se de estilo político. Ocorre que o evento trouxe grande prejuízo
para os investidores, e não apenas os estrangeiros, e não apenas da Petrobras, mas
de empresas estatais em geral. A gestão dessas empresas ficará mais difícil,
afetando seu desempenho. A gestão da política econômica também se complica,
inclusive nas negociações no Congresso, pois se perde segurança sobre que
posições defender. Levar a MP de privatização da Eletrobras ao Congresso, ou
iniciar o debate da reforma do monopólio postal, não muda isso: a chance de um
dos dois avançar é mínima no quadro atual, em que pese o esforço dos
envolvidos.
E
fica no ar a dúvida de se algo semelhante ocorrerá em outras áreas da política
econômica. Me preocupa, em especial, o não trivial ciclo de alta da taxa Selic
que o Banco Central (BC) deve iniciar em sua reunião de daqui a duas semanas. A
Selic a 2% está bem fora de lugar, considerando a perspectiva de uma inflação
girando perto de 7% no meio do ano, a mudança no quadro externo e a necessidade
de evitar riscos à estabilidade financeira. Será que o presidente manterá nessa
nova etapa o mesmo apoio que deu ao BC quando este trouxe a Selic para 2%? Ou será
que, com a economia estagnada, e a pandemia se agravando, veremos uma repetição
do episódio Petrobras, se se opor à alta da Selic render popularidade?
O
outro fato propulsor da saída dos estrangeiros foi a mudança de humor global em
relação a ativos de países emergentes e ativos de risco em geral. Esta resultou
da escalada dos juros pagos nos títulos públicos americanos, refletindo a
expectativa de inflação e de juros reais mais altos. Isso porque a provável
aprovação de um pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão e o impulso advindo da
vacinação, que já alcançou um quarto da população americana, devem aquecer
fortemente a economia do país, levando o Fed, o BC americano, a subir os juros
antes do que se esperava.
Uma
economia americana mais aquecida fará o país ter um déficit externo mais alto,
irrigando o mundo de dólares. Por outro lado, se os EUA forem vistos como o
melhor destino dos investimentos, pela perspectiva de mais crescimento e de
juros mais altos, o fluxo de recursos financeiros para lá será grande. O
resultado líquido provavelmente será um dólar mais forte, que é algo ruim para
emergentes e o Brasil em particular, que já está com o câmbio muito depreciado.
Difícil
imaginar como evitar uma alta mais significativa da Selic nesse cenário.
Especialmente porque o Brasil seguirá crescendo pouco e demorando muito para
alcançar um nível mínimo de normalização sanitária, fatores que o tornarão
pouco atraente para o investidor estrangeiro, mesmo na comparação com outros
emergentes.
Durou
pouco para nós, portanto, o clima de festa que emergiu com o anúncio da vacina
contra a covid-19 no início de novembro. É verdade que a vacinação vai acelerar
nos próximos meses, que com isso o desempenho da economia pode melhorar no
segundo semestre, e que sempre há a esperança de o Congresso aprovar reformas
que diminuam o risco fiscal e estimulem o investimento. Mas será que dá para
apostar em avanços substantivos?
Pandemia,
populismo, inflação alta e um cenário externo menos favorável do que se
imaginava na virada do ano vão complicar o quadro econômico nos próximos meses.
Turbulência e incerteza, em um mercado financeiro internacional também volátil,
vão ser a norma até que as eleições de 2022 tragam alguma ancoragem às expectativas.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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