sexta-feira, 5 de março de 2021

Lu Aiko Otta - Quatro condições para a retomada

- Valor Econômico

Há disputa nos bastidores em torno da potência de instrumentos como retomada do BEm

Há quatro condições necessárias para a retomada do crescimento, segundo se avalia no gabinete do ministro da Economia, Paulo Guedes: 1. vacinação; 2. fiscal; 3. fiscal e 4. fiscal.

O alerta contido no boletim regional do Banco Central não poderia ser mais claro: em janeiro, a economia do Amazonas retornou aos níveis de abril de 2020. Dava sinais de haver se acomodado ainda abaixo disso no fim de fevereiro. O que aconteceu lá “sinaliza os possíveis impactos de um agravamento severo da epidemia em outras regiões”.

A “frescura” e o “mimimi” estão jogando a economia na lona de novo. A intensificação das medidas de isolamento, que nenhum governante queria adotar, se impôs.

O primeiro trimestre de 2021, antes contado como parte de uma recuperação em “V” da economia, agora é dado como perdido em termos de crescimento. Possivelmente, o segundo trimestre também será comprometido, avalia-se na área econômica. Se a vacinação avançar sem percalços, é possível pensar em melhora no segundo semestre deste ano.

Nesse quadro, medidas de socorro que se pretendiam encerradas em 31 de dezembro de 2020 vão ter de voltar. É aí que mora o perigo.

Serão despesas a mais num país cujas contas já estavam mal antes da pandemia. No ano passado, o governo federal gastou o que podia e o que não podia: R$ 549,8 bilhões em medidas emergenciais. Agora, se vê limitado na adoção de novos instrumentos de socorro. Precisa mostrar à banca que terá como pagar essa dívida, que só cresce.

O risco de perda de controle sobre as contas está no horizonte há algum tempo e já vinha apresentando a fatura: dólar mais alto, risco-país mais elevado, taxas de juros futuras apontando para cima. Há oito semanas, analistas de mercado revisam para cima suas estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2021.

A alta da inflação ligou sinais de alerta no Ministério da Economia. Se a política fiscal não der sua contribuição para conter os preços, o trabalho sobrará para a política monetária. Ou seja, os juros subirão e o Brasil voltará a ser o “paraíso dos rentistas” que Paulo Guedes tanto se orgulha de ter eliminado.

Por isso a área econômica tanto insiste que a retomada das medidas emergenciais contra a pandemia seja feita de forma sustentável para as contas públicas. A prorrogação do auxílio emergencial foi proposta junto com medidas que permitem cortar gastos, para transmitir essa mensagem.

Foi nesse ponto que o trem quase descarrilou. No início da semana, o clima no Ministério da Economia era de pânico diante da possibilidade de ser incluída na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial a retirada do Bolsa Família do teto de gastos.

Seria o início do fim do teto, pois outras despesas poderiam seguir o mesmo caminho. Pior ainda: essa proposta contou, na melhor das hipóteses, com a simpatia do presidente Jair Bolsonaro. Negociadores chegaram a atribuir a ele a ordem de furar o teto.

Foi o ápice de uma tensão que escalava havia alguns dias. Desde a semana passada, pessoas próximas a Guedes demonstravam preocupação com o rumo da negociação. O que se via no eixo Planalto-Congresso era interesse apenas na prorrogação do auxílio emergencial. Nada de contrapartidas impopulares. E zero empenho do presidente para segurar as pressões por mais gastos.

Esse era o ambiente quando, na sexta-feira passada, Guedes deu uma entrevista para o youtuber Thiago Nigro, do canal Primo Rico, que foi ao ar na última terça-feira. Avisou que o Brasil poderia entrar em crise econômica como alguns países vizinhos. Deu prazos: para virar Argentina, seis meses. Para ser Venezuela, um ano e meio. E apresentou o contraponto: para virar Estados Unidos ou Alemanha, são 15 anos no sentido oposto.

Na mesma terça-feira, foi divulgado um documento produzido pela Secretaria de Política Econômica (SPE), que integra a estrutura do Ministério da Economia. Traduzindo do economês, a mensagem é: se quiserem colher os louros fáceis de prorrogar o auxílio emergencial sem nenhum sacrifício de corte de outras despesas, saibam que as consequências econômicas serão graves e vão surgir logo. Antes das eleições.

Por outro lado, prossegue a mensagem subliminar da nota da SPE, o político suficientemente esperto pode se creditar dos resultados produzidos pela consolidação fiscal. Juros baixos, por exemplo. O financiamento da casa própria está barato.

Ajudado pelo mercado financeiro em polvorosa com a perspectiva da retirada do Bolsa Família do teto, Guedes conseguiu virar o jogo. Depois de um dia tenso, a PEC foi aprovada pelo Senado sem o dispositivo. A segunda votação ocorreu ontem sem maiores dificuldades.

Mas o clima segue tenso na área econômica. A matéria ainda tem de passar pela Câmara. A esperança é que a reação positiva do mercado às declarações do presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), a favor do teto sirva de reforço contra novas investidas na mão contrária.

Se o dique não se rompeu, segue sob ameaça. Não se sabe qual será a extensão das novas medidas de isolamento social ou seus reflexos sobre a economia.

A área econômica já admite a possibilidade de retomar programas com impacto fiscal, para combater os efeitos de mais essa etapa, priorizando os mais efetivos.

Há disputa nos bastidores em torno da potência dos instrumentos. A ideia dos técnicos é recriar o BEm numa versão mais restrita, na qual a compensação para o trabalhador que teve o contrato de trabalho suspenso ou reduzido venha do Fundo e Amparo ao Trabalhador (FAT) e seguindo regras mais rígidas de acesso. Mas outra ala quer reeditar o programa de 2020.

Os próximos dias serão difíceis, com a covid-19 mais violenta do que nunca e a queda da economia diante das inevitáveis medidas de isolamento. Essa tragédia terá de ser enfrentada com responsabilidade, e não com populismo.

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