Não
há medida que esconda o fracasso maiúsculo do Brasil no enfrentamento à
pandemia. Sob a mão de Jair Bolsonaro, o país apequenou-se de cabo a rabo. É
ilha num mar de dramáticos indicadores sanitários, sociais, econômicos,
fiscais. Um quarto de milhão de brasileiros já perdeu a vida. Num mix de
indiferença e incompetência, a nação que, um ano atrás, em três semanas vacinou
contra a gripe 18,9 milhões de idosos e 3,8 milhões de profissionais de saúde,
nos últimos dois meses não imunizou nem oito milhões contra a Covid-19. O país
maculou um de seus orgulhos, o Programa Nacional de Imunização, porque a
administração povoada de militares planejou mal e executou debilmente. A
economia encolheu 4,1% em 2020 (o pior resultado da série histórica iniciada em
1996) e saiu da lista das dez maiores do mundo. Adentrou o novo ano em
frangalhos, com atividade patinando, Orçamento pendente, equipe econômica
enfraquecida, política social interrompida, miséria alargada.
O Brasil colheu doença e morte, desemprego e empobrecimento, fome e desesperança. O presidente debocha, e a pandemia se agrava. No início da semana, a Fiocruz publicou edição extraordinária do boletim Observatório Covid-19. O conteúdo tratou sem sutileza da formação de um patamar de intensa transmissão do coronavírus. Dias antes, o médico e cientista Miguel Nicolelis antecipara o colapso sanitário e alertara também para o risco da tragédia funerária ora materializada numa escala próxima de duas mil mortes por dia. Pela primeira vez desde o início da pandemia, escreveram os especialistas da Fiocruz, o país experimentava o agravamento simultâneo de número de casos e óbitos, níveis altos de incidência, grande proporção de testes positivos e sobrecarga de hospitais.
Ontem,
nova evidência da catástrofe veio numa sequência de 17 mapas com a taxa de ocupação de leitos de UTI Covid-19
para adultos desde julho do ano passado. À época, três estados (Mato Grosso,
Goiás e Bahia) estavam com mais de 80% de utilização; em outubro, nenhum. Neste
início de março, 18 estados e o Distrito Federal estão em nível crítico. “Mesmo
no período entre a segunda metade de julho e o mês de agosto, quando foram
registrados os maiores números de casos e óbitos, não tivemos um cenário como o
atual, com a maioria dos estados e o DF na zona de alerta crítica”, diz o
documento. Das 27 unidades da federação, apenas Sergipe tem proporção baixa
(59% de ocupação de leitos de terapia intensiva); Amapá, Paraíba, Alagoas,
Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo aparecem em nível
médio (de 60% a 80% de ocupação)
O
primeiro boletim da Fiocruz fez o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ampliar
(modestamente) as restrições na cidade. Horário de bares, restaurantes (6h às
17h) e atividades comerciais (6h às 20h) foi reduzido, e a lotação, limitada a
40% da capacidade; boates, rodas de samba, eventos públicos e privados estão
proibidos. Entidades do setor, como o Sindicato de Bares e a Fecomércio RJ,
estão cobrando medidas de reparação aos prejuízos decorrentes da mudança,
alegam, implementada sem diálogo. Desde hoje, a permanência em vias, espaços
públicos e praças está proibida entre 23h e 5h, mas a circulação de pessoas é
livre. Ambulantes e quiosques vão fechar, mas o acesso às praias está liberado.
O decreto de Paes não tratou da superlotação dos transportes públicos, um dos
maiores problemas da capital fluminense desde o ano passado.
As
medidas de supressão num país apresentado no noticiário internacional como
ameaça global na pandemia, pela livre circulação de novas cepas do coronavírus
e pela transmissão acelerada na população, deveriam ser articuladas pelo
Ministério da Saúde. Mas o general Eduardo Pazuello obedece a um presidente da
República que, não satisfeito com o rol de fracassos que acumula, segue em
frente. Repete erros com indisfarçável orgulho. Ofende quem perdeu entes
queridos. Despreza o distanciamento social e o uso de máscara. Lança suspeitas
sobre vacinas. Debocha da ciência. Tudo isso sob aplausos de uma claque de
alienados e rodeado por ministros e assessores sem apreço pelas próprias
biografias.
Jair Bolsonaro foi eleito por 57 milhões de brasileiros e se mostra indiferente à vida de mais de 200 milhões de compatriotas. Está à frente da administração com os piores resultados no enfrentamento à pandemia. O autocrata que prometeu banir partidos e militantes da esquerda está tingindo a nação com o vermelho da emergência sanitária e da terra que se abre em covas para abrigar os caixões dos brasileiros que morrem diariamente, um a cada 46 segundos. No documento extremo, a Fiocruz apela a autoridades federais, estaduais e municipais, ao Legislativo e ao Judiciário, empresas e organizações da sociedade civil pelo enfrentamento à pandemia. Que sejam rápidos. Ou não sobrará mais nada.
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