Março
já é o mais cruel dos meses: leitos de UTI faltando, hospitais entrando em
colapso, cadáveres se empilhando nos cemitérios. O Brasil é hoje visto como
risco sanitário internacional. O ambiente propício à propagação do Sars-CoV-2
tornou o país o laboratório ideal para a evolução de variantes mais
contagiosas. Enquanto o darwinismo corre solto, a displicência do Planalto deu
origem a reações desencontradas de estados e municípios, cujos governantes,
apresentados dia após dia a novos recordes de mortos, têm decretado medidas de
restrição mais duras para lidar com a pandemia fora de controle.
O presidente Jair Bolsonaro diz que “criaram pânico”, desdenha as mortes — “chega de frescura, de mimimi; vão ficar chorando até quando?”— e agride quem cobra vacinas —“só se for na casa da tua mãe (sic)”. Diante de tanta grosseria e da omissão irresponsável, secretários estaduais endereçaram à nação um grito de socorro. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) propôs toque de recolher — já em vigor em alguns estados — em âmbito nacional; lockdowns nas cidades em que a ocupação de UTIs ultrapassar 85%; proibição de shows, cultos religiosos e atividades esportivas; fechamento de praias e bares; barreiras sanitárias nacionais e internacionais. Pede ainda o reconhecimento do estado de emergência, recursos extraordinários para o SUS e a volta do auxílio emergencial.
O
ministro-general Eduardo Pazuello se revelou um inepto para providenciar vacina
aos 212 milhões de brasileiros. Fala em doses em maio, junho, julho, agosto...
só que as mortes de março estão aí. A corrida é desigual. De um lado, as
variantes avançam à velocidade de Lewis Hamilton. De outro, a campanha de
vacinação não sai dos boxes. Em um mês e meio, chegou a 3,5% da população. A
lentidão levou prefeitos e governadores a organizar um consórcio para comprar
vacinas, à revelia da Federação. Pode ser uma medida necessária diante da
inépcia federal, mas é também um lance de desespero. O colapso sem precedentes
que toma conta do país demandaria esforço conjunto das três esferas de governo.
Bolsonaro
parece, porém, empenhado em confrontar os estados, fragmentando a Federação em
momento crítico. A estratégia ficou clara quando ele publicou valores
repassados aos estados para combate à Covid-19, irritando até aliados. As
transferências são obrigatórias, não dependem do presidente. Bolsonaro já
criticara governadores que impõem medidas de restrição, dizendo que deveriam
arcar com o auxílio emergencial. O endurecimento das restrições, já necessário
antes da alta nas mortes, é hoje dever urgente.
Assim
como o projeto aprovado no Senado para facilitar a compra de vacinas de
eficácia comprovada. Só na quarta-feira o ministério anunciou estar no fim das
negociações para comprar 100 milhões de doses da Pfizer e 38 milhões da
Janssen. Ambas foram testadas aqui. A Pfizer ofereceu, em setembro, opção de
compra ao governo, que declinou. Bolsonaro insinuou que quem a tomasse poderia
“virar jacaré”.
A
cada minuto, um brasileiro morre de Covid-19. Segundo a Fiocruz, a situação se
agravou em todos os estados. Sistemas de saúde tombam um a um. Do Oiapoque a
Chuí, o Brasil de Bolsonaro e Pazuello se transformou num grande matadouro. Ou
o país age como uma Federação para derrotar o inimigo, ou seremos arrastados
para a mesma vala comum da História.
É
absurda a ação de MEC e CGU contra a liberdade nas universidades – Opinião / O
Globo
São escandalosos o ofício do MEC à Rede de Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e a abertura de dois processos na Controladoria-Geral da União (CGU) contra professores da Universidade de Pelotas. Desrespeitam flagrantemente o direito constitucional à liberdade de expressão — e logo no meio universitário, espaço cuja vitalidade depende do amplo confronto de ideias.
O
comportamento discreto em comparação com o antecessor não impediu que o
ministro da Educação, Milton Ribeiro, tenha terçado outro tipo de arma na
mesmíssima “guerra cultural” que Abraham Weintraub travava contra as
universidades federais, consideradas um “celeiro de comunistas” pelo
bolsonarismo mais delirante.
O
MEC do pastor presbiteriano Ribeiro foi inepto para aplicar os recursos
reservados ao ensino básico no ano passado, mas não deixou de encaminhar ofício
à Ifes pedindo providências para “punir atos político-partidários” nas
faculdades. É uma iniciativa, além de descabida, flagrantemente inconstitucional.
Em julgamento no ano passado, o Supremo apoiou, por unanimidade, o voto da
relatora Cármen Lúcia em favor da liberdade de expressão nas universidades, num
processo questionando a proibição baixada por juízes eleitorais contra
manifestações partidárias de estudantes nas faculdades durante a campanha de
2018.
Em
paralelo, a Controladoria-Geral da União (CGU) instaurou inquérito contra o
epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas Pedro Hallal e
contra o professor Eraldo dos Santos. O motivo alegado foram as críticas que
ambos fizeram ao presidente Jair Bolsonaro numa transmissão que discutia o fato
de ele ter rompido a tradição de nomear para a reitoria o primeiro colocado na
eleição interna. Por usarem uma rede da universidade, os dois foram enquadrados
numa lei que proíbe certas manifestações em repartições públicas.
Tiveram
de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e não serão mais
processados. Hallal considera o desfecho positivo, porque significa o
arquivamento do processo sem que ele tenha reconhecido qualquer culpa por
ofensas a Bolsonaro, a que chamara de “presidente com P minúsculo”. Hallal
reafirma que continuará a criticá-lo pela condução desastrosa do enfrentamento
à pandemia.
Em
que pese o desfecho suave, é evidente que se encontrou uma firula jurídica para
tentar intimidar a academia e cercear a liberdade nas universidades. O governo
se comporta como se estivéssemos na ditadura, quando elas eram vigiadas pelo
Decreto-Lei 477, uma espécie de AI-5 estudantil que previa a expulsão de
alunos.
Hallal
e Santos foram processados devido a uma representação do deputado Bibo Nunes
(PSL-RJ). No caso do ofício do MEC, o próprio Ifes registrou que a corregedoria
do ministério pedira para que fossem reprimidos eventos políticos “em face ao
recebimento de denúncias”. Sintomático que medidas comparáveis às de Estados de
vigilância tentem ressuscitar a figura do “dedo-duro” no meio
universitário.
Algo houve em Brasília – Opinião / O Estado de S. Paulo
Depois
de meses de campanha do presidente para desmoralizar as vacinas, o Ministério
da Saúde prontificou-se a comprá-las
Algo se moveu em Brasília. Em meio à sensação de caos generalizado – acentuada pela crescente convicção de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, é irremediavelmente incapaz de liderar o País em um dos momentos mais dramáticos de sua história –, aparentemente a realidade começa a se impor.
Se
são para valer, só o tempo dirá, mas o fato é que as notícias de que o governo
federal finalmente comprará vacinas contra a covid-19 e de que o Congresso, com
a equipe econômica, impediu manobras ardilosas para furar o teto de gastos em
nome do enfrentamento da pandemia mostram que, no limite, o Estado democrático
tem seus mecanismos contra a insanidade.
Depois
de meses de campanha sistemática do presidente para desmoralizar as vacinas, o
Ministério da Saúde prontificou-se afinal a comprá-las. O ministro Eduardo
Pazuello anunciou na quarta-feira, dia 3, a assinatura de um contrato para a
aquisição de 99 milhões de doses da vacina da Pfizer e também a negociação para
a compra de 38 milhões de doses da vacina da Janssen.
O
governo havia meses vinha se negando a comprar a vacina da Pfizer, oferecida ao
Brasil em agosto do ano passado. Bolsonaro descartara o imunizante dizendo que
havia cláusulas abusivas no contrato, como a que isentava o laboratório de
responsabilidade por eventuais efeitos colaterais – o que é uma cláusula-padrão
em todo o mundo.
Agora,
em meio à disparada do número de mortos pela pandemia e ao colapso do sistema
de saúde em quase todo o País, situação que ameaça deteriorar ainda mais a
popularidade de Bolsonaro – única coisa que lhe importa –, o presidente e seu
desastrado ministro da Saúde afinal fizeram o que deveriam ter feito há muito
tempo.
Para
os brasileiros, pouco importa se Bolsonaro e Pazuello decidiram comprar vacinas
por frio cálculo político, ante a pressão crescente da opinião pública e ante a
mobilização de governadores e prefeitos para comprar vacinas por conta própria,
ganhando pontos com o eleitorado; o fato é que as doses dos imunizantes
chegarão ao País e, se forem rapidamente administradas, interromperão a espiral
de sofrimento e miséria que tanto aflige os brasileiros.
Do
mesmo modo, pouco importa se a PEC Emergencial aprovada no Senado nesta semana
está longe de ser a ideal. O importante é que essa medida, que cria as
condições fiscais para destravar o auxílio emergencial e outras despesas
relativas à pandemia, finalmente deixou a gaveta em que dormitava desde o fim
do ano retrasado e agora tramita de acordo com a urgência requerida pelo
momento.
Há
ainda outro fato relevante: a equipe econômica empenhou-se para desmontar a
articulação, patrocinada pelo próprio presidente Bolsonaro, para excluir o
Bolsa Família do limite do teto de gastos na PEC Emergencial. A manobra
permitiria abrir espaço de nada menos que R$ 34,9 bilhões no Orçamento para
emendas parlamentares. Ou seja, era uma maneira de driblar o teto de gastos
para aumentar despesas com obras que rendem votos.
A
malandragem, que arruinaria de vez a imagem já desgastada do Brasil entre os
investidores, foi abortada pouco antes da votação em primeiro turno no Senado.
Assim,
a despeito da campanha sistemática do presidente Bolsonaro contra o País, ainda
há barreiras para a articulação entre a demência e o oportunismo rasteiro. Não
se pense, contudo, que Bolsonaro, de uma hora para outra, vai se tornar adepto
da ciência e da responsabilidade fiscal.
Ao
contrário, exercitando toda a perversidade de alguém que não teve educação de
berço, o presidente, por pressentir que sua reeleição corre risco, dobrou a
aposta na incivilidade. Sobre a pressão para comprar vacinas, Bolsonaro
discursou: “Tem idiota que diz ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua
mãe. Não tem para vender no mundo”. E sobre a necessidade óbvia de se adotarem
medidas de isolamento para conter o avanço do vírus, Bolsonaro teve o
atrevimento de dizer: “Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura,
de mimimi, vamos ficar chorando até quando?”.
O
País fará bem se deixar o sr. Bolsonaro falando sozinho.
Rota de colisão – Opinião / O Estado de S. Paulo
A
equipe econômica tomou uma iniciativa que será contestada pelo STF
O Poder Executivo e o Poder Judiciário estão novamente em rota de colisão. O ponto de discórdia envolve questões no campo do direito do trabalho, que já foram objeto de uma ampla reforma promovida em 2017, no governo de Michel Temer. Sob pretexto de simplificar a legislação trabalhista, a equipe do ministro Paulo Guedes colocou em consulta pública um decreto que abrange 31 textos legais que disciplinam, entre outros temas, normas sobre saúde e descanso semanal dos empregados aos domingos.
O
secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, afirmou que o
texto passou pela análise técnica das áreas jurídicas do Executivo e que ele
não muda “um centímetro” a legislação trabalhista em vigor. Mas os magistrados
trabalhistas dizem justamente o contrário. Eles lembraram que o decreto
institui um Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e
Desburocratização de Normas Trabalhistas. Também afirmaram que, sob a alegação
de desburocratizar os procedimentos de negociação entre patrões e empregados em
matéria de descanso e saúde, o decreto suprime alguns direitos trabalhistas.
Mas, como não interfere nos direitos patronais, o texto rompe o equilíbrio
entre as partes que deve prevalecer nos conflitos coletivos do trabalho.
Segundo
os juízes, o decreto introduz no direito do trabalho inovações que só poderiam
ser impostas por lei ordinária, além de abrir brechas que permitem ao governo
aumentar a lista de atividades com autorização permanente para o trabalho aos
domingos. Em nota técnica enviada à Secretaria-Geral da Presidência da
República, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra) afirma que a iniciativa da área econômica do governo extravasa em
larga escala o poder regulamentar do Poder Executivo em matéria de direito
trabalhista. A nota foi endossada pela Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho, pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e pela
Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas.
O
decreto proposto apresenta “um arcabouço jurídico inovador”, com princípios
próprios e normas diferentes das previstas tanto na Constituição quanto nas
leis ordinárias”, diz a Anamatra. O decreto também promove “alteração da lógica
protetiva da legislação trabalhista, em manifesta violação ao processo legislativo”.
E ainda recorre propositadamente a “expressões vagas e ambíguas, cuja abertura
semântica revela natureza jurídica de princípio normativo, permitindo que o
Poder Executivo Federal atue com excessiva discricionariedade na suposta
regulamentação dos direitos trabalhistas”. Na conclusão, a nota lembra que “a
ampliação indevida do poder regulamentar do Executivo será submetida a controle
judicial”. Ou seja, se o decreto for editado, será questionado no Supremo
Tribunal Federal (STF). Assim, em vez de estimular o crescimento da economia, a
medida criará mais insegurança jurídica, desestimulando com isso a contratação
de pessoal pelas empresas.
Em
resposta, o secretário de Trabalho voltou a afirmar que a proposta de decreto
não coloca em risco a saúde e a segurança dos trabalhadores, mas cometeu uma
grave imprudência. Confessou que, para a área econômica do governo, a revisão
das normas trabalhistas “não pode ser orientada apenas pela saúde e segurança
do trabalho”, pois “a única maneira de ter risco zero à saúde e à segurança do
trabalhador é não ter atividade produtiva nenhuma”.
As
leis trabalhistas precisam ser modificadas no sentido indicado pela reforma de
2017, o que não se pode é atropelar as leis do País, necessariamente aprovadas
pelo Legislativo, por atrabiliários decretos baixados pelo chefe do Poder
Executivo.
O reverso da diplomacia – Opinião / O Estado de S. Paulo
A
antidiplomacia do governo bolsonarista continua a impor reveses ao País
Em mais um revés da diplomacia do governo, o candidato brasileiro ao comando da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci) do Sistema ONU, o brigadeiro Ary Rodrigues Bertolino, ficou de fora do segundo turno da disputa. O fracasso serve de alerta às lideranças públicas e privadas que costumam contemporizar como mero folclore inofensivo as diatribes de Jair Bolsonaro, seu chanceler, Ernesto Araújo, e outros protagonistas da vanguarda “ideológica” do governo.
De
fato, só Araújo já produziu um anedotário antológico que faria corar o Barão de
Rio Branco: desde o seu discurso de posse (em que invocou como patronos da
“Nova Diplomacia” Dom Sebastião e Dom Quixote), passando pelo “Deus de Trump”
(o único capaz de “salvar o Ocidente”); o orgulho de ser “pária”; os “cidadãos
de bem” que vandalizaram o Capitólio; até a recente advertência no Conselho de
Direitos Humanos da ONU contra um enigmático “lockdown do espírito humano”.
Sobre uma montanha de cadáveres, Araújo já escarneceu das apreensões da
população com o “comunavírus”, ridicularizando os esforços de contenção como
“covidismo” e “histeria biopolítica”.
A
essa extravagante tragicomédia se poderia acrescentar outras cenas: como as
ameaças de Bolsonaro de invadir a Venezuela ou de responder com “pólvora” a uma
suposta invasão da Amazônia por Joe Biden, ou a outra (talvez pior) de albergar
Eduardo Bolsonaro na Embaixada de Washington; além dos insultos a lideranças
como Emmanuel Macron e Angela Merkel; ou as tiradas mal-educadas (e iletradas)
do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub contra a China e as piadas boçais
do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com as apreensões ambientalistas.
Mas,
por mais pitoresca que pareça, essa farsa, no mundo real, tem consequências
graves, como a crispação com parceiros comerciais como China, Argentina e,
agora, os EUA; a fuga de investidores internacionais; os boicotes ao
agronegócio; o descrédito em fóruns como a ONU ou a OMS; ou os riscos ao acordo
Mercosul-União Europeia e à entrada do Brasil na OCDE.
E
assim, de grosseria em grosseria, o bolsonarismo vai desmoralizando o País como
interlocutor de temas caros à comunidade internacional e degradando a reputação
construída diligentemente ao longo de séculos pela diplomacia nacional. Um
estudo recente da consultoria Curado & Associados estimou que, de 1.179
reportagens em sete dos mais prestigiados veículos de mídia internacionais, 92%
citavam o Brasil de forma negativa. No ano passado, todos os seis chanceleres
da Nova República assinaram um manifesto de repúdio à “antidiplomacia”
bolsonarista.
O
fiasco na Oaci não foi o único e dificilmente será o último. Malogros recentes
incluem candidaturas para organismos multilaterais como o Tribunal
Internacional do Direito do Mar e o Tribunal Internacional de Haia. Desde que
Roberto Azevêdo e José Graziano deixaram, respectivamente, a Organização
Mundial do Comércio e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura, não há nenhuma chefia brasileira nas organizações do Sistema ONU.
No ano passado, em uma derradeira mostra de sua fidelidade canina a Donald
Trump, o governo retirou a candidatura brasileira à presidência do Banco
Interamericano de Desenvolvimento e, quebrando uma tradição de décadas, apoiou
a eleição do primeiro presidente não latino-americano. Vale lembrar que o
Brasil só quitou parte de sua dívida com a ONU quando esteve sob risco iminente
do vexame de perder seu direito a voto na Assembleia-Geral.
O
bolsonarismo está revertendo um a um os ditames da diplomacia nacional
consagrados pelo Conselho de Estado à época do Império – “inteligente, sem
vaidade; franca, sem indiscrição; enérgica, sem arrogância”. Ou as lideranças
privadas e públicas começam a impor reveses a essa antidiplomacia arrogante,
indiscreta e vaidosa – como a recente rejeição do Senado ao candidato do
Planalto à delegação das Nações Unidas – ou ela seguirá impondo reveses sem
conta ao País.
Curva da morte – Opinião / Folha de S. Paulo
Ante
descaso de Bolsonaro, devem-se apoiar governantes que tentam salvar vidas
Ao
acumular 42 dias num patamar de mais de mil mortes por Covid-19 a cada dia, a
marcha macabra não dá sinal de ceder no Brasil. Ao contrário, segue em
progressão exponencial, superando as marcas trágicas de julho do ano passado.
Em
25 de fevereiro, quebrou-se o recorde de 2020 pela primeira vez, com 1.582
mortes; na terça, 2 de março, 1.726; na quarta (3), 1.840.
O
número absoluto ainda não supera as 2.468 mortes de quarta-feira nos Estados
Unidos; lá, entretanto, as sequelas da irresponsabilidade negacionista de
Donald Trump começam a refluir. O
Brasil de Jair Bolsonaro ultrapassou os EUA em termos proporcionais,
com 6,3 novas mortes por milhão de habitantes, contra 5,5 de americanos.
Não
haverá surpresa, só estarrecimento renovado, se o placar lúgubre alcançar nos
próximos dias 2.000 mortes. Mais que simples cifra, esse limiar simbólico a se
acercar de modo vertiginoso deveria sinalizar para todos que a leniência diante
da pandemia não pode continuar como está.
A
emergência sanitária é grave e ímpar, pior do que em qualquer outro momento em
12 meses, pois a epidemia se agrava ao mesmo tempo em todo o território
nacional. Como alertou em nota técnica a Fiocruz, 19 unidades da Federação
enfrentam situação crítica em seus hospitais, com ocupação de leitos de UTI
maior que 80% (10 delas acima de 90%).
São
Paulo, onde a administração do estado manteve conduta racional, ainda observa
lotação média de 76% dos leitos, mas a situação se deteriora em ritmo
acelerado.
O
governador João Doria (PSDB) anunciou a criação de 500 novas vagas de UTI, sem
garantia contudo de evitar o colapso local, como se observou em Araraquara, ou
geral, como pode acontecer nas próximas duas semanas.
A
vacinação, como se sabe, é a única saída para a crise e precisa ser acelerada.
Não existe tratamento precoce para as pessoas contaminadas, ao contrário do que
propaga o presidente ignaro.
Só
nos restam, pois, as alternativas das medidas comprovadas de prevenção, ditas
não farmacológicas: máscaras, distanciamento social e higiene das mãos.
Mostra-se
acertada, assim, a providência de estender
para todo o território paulista a fase vermelha, de maior restrição para o
comércio e a mobilidade das pessoas, ainda que eivadas de exceções. Cultos
religiosos, por exemplo, costumam produzir focos de intensa contaminação. Não
há nenhum sentido em mantê-los enquanto se fecham os parques públicos.
Governadores
e prefeitos que fazem o possível para salvar vidas devem ser apoiados. Quanto
ao presidente da República, apenas sua indiferença à mortandade supera a
incompetência de sua gestão.
Basta
de titubeio. As armadilhas lançadas por Bolsonaro têm de ser desarmadas com
coragem e decisão, a fim de frear a curva da morte insuflada pelo Planalto.
Reforço vacinal – Opinião / Folha de S. Paulo
Urge
sancionar projeto que libera compras por estados, municípios e empresas
A
morosidade nacional na vacinação contra a Covid-19 salta à vista quando se
observa a taxa por mil habitantes. Com 43,7 doses aplicadas, ocupamos apenas a
46ª posição nesse ranking, numa lista encabeçada por Israel, com a
impressionante cifra de 935; no Chile, a proporção é de mais de 200.
À
lenta produção por parte de Butantan e Fiocruz, fruto do atraso na importação
de insumos, somam-se picuinhas nacionalistas do governo federal, que atravancam
a compra de outros imunizantes disponíveis no mercado mundial.
Para
contornar esta última dificuldade, o Congresso
aprovou o projeto de lei 534/21, de autoria do presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O projeto descentraliza a aquisição de vacinas,
abrindo as portas para que estados, municípios e empresas possam também
adquiri-las, desde que aprovadas pela Anvisa.
O
texto autoriza ainda que a União e os demais entes federativos assumam a
responsabilidade de indenizar cidadãos por eventuais efeitos colaterais
provocados pelos imunizantes —uma exigência de laboratórios como
Pfizer/BioNTech e Janssen que vinha sendo motivo de encarniçado embate entre o
governo e as farmacêuticas.
Coincidência
ou não, um dia após o projeto passar pelo Congresso, o sempre reativo
Ministério da Saúde anunciou
acordo para a compra de vacinas das duas empresas, em meio às
movimentações encetadas por estados e municípios.
Por
fim permitiu-se, de maneira acertada, que empresas possam adquirir imunizantes
de forma complementar ao esforço do setor público. Pelo projeto, a iniciativa
privada deverá obrigatoriamente doar ao SUS todas as doses obtidas enquanto
estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários —quase 80 milhões de
pessoas.
Após
o término dessa etapa, as empresas poderão aplicar gratuitamente metade das
vacinas que adquirirem, ao passo que a outra metade deverá ser remetida ao SUS.
Diante
do imperativo de imunizar o maior número de pessoas no menor espaço de tempo,
afigura-se urgente agregar todos os atores possíveis a esse esforço. Portanto,
só se pode esperar que Jair Bolsonaro não sabote mais essa iniciativa e
sancione o projeto aprovado.
Lira busca a via rápida para a anti-reforma política – Opinião / Valor Econômico
Presidente
da Câmara abriu a discussão sobre o desmonte da legislação eleitoral
Após
a eleição do novo comando do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro foi levar
os 30 projetos supostamente prioritários para seus aliados recém-eleitos para
presidir a Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco
(DEM-MG). Lira, expoente do Centrão, não revelou os seus, aos quais celeremente
deu precedência sobre os do governo a ponto de parecerem as verdadeiras PECs de
emergência. Com determinação e foco, em um momento em que o Congresso tem
dificuldade de realizar seções presenciais, Lira abriu a discussão sobre o
desmonte da legislação eleitoral, o desmonte das leis que coíbem a improbidade
administrativa e, se não fosse pouco, e dos mecanismos do Orçamento, dando
maior poder possível aos parlamentares na distribuição de verbas.
Em
pleno recrudescimento da pandemia e aceleração das mortes, o líder do Centrão
tirou da algibeira duas propostas. Apropriou-se do mantra do ministro Paulo
Guedes, um dos três “Ds” - desvincular - para em meio à maior crise sanitária
da história do país eliminar os pisos de gastos obrigatórios da saúde e da educação.
Em um par de dias entre a coleta de assinaturas e a submissão ao plenário,
tentou aprovar uma proposta de emenda à Constituição que praticamente blinda os
parlamentares de serem punidos pela Justiça e coloca como árbitro dos eventuais
delitos cometidos por eles para a corte camarada da Comissão de Ética, cuja
indolência e desinteresse é notória.
Um
clamor público contra ambas propostas indecorosas teve resultados distintos. A
desvinculação dos recursos caiu logo por terra pelo absurdo de tentar resolver
com um golpe de mão uma questão complexa e fora de ordem na conjuntura da
pandemia. Mas a PEC da impunidade seguirá tramitando, um pouco mais distante
dos holofotes ante os quais a pressa de Lira a terminou colocando. É aí que
mora o perigo.
O
presidente da Câmara, diante da ausência da instalação das comissões, tem
jogado as pautas diretamente ao plenário. Se esse expediente pode ser benéfico
no caso da PEC emergencial, que garantirá uma nova rodada de pagamentos de
auxílio à população, por outro lado pode dar via rápida a projetos nefastos,
como aquele que busca retrocessos nítidos na legislação eleitoral e, em
particular, na forma de escolha dos representantes do povo.
A
estratégia para isso é a mesma. Como a Comissão de Constituição e Justiça não
foi instalada, a ideia é votar logo a admissibilidade de uma proposta de PEC no
plenário. As intenções que pululam em volta das mudanças eleitorais têm a cara
do fisiologismo do Centrão. Em um dos Congressos com o maior número de partidos
do mundo, onde as duas maiores bancadas mal chegam a ter 10% dos deputados, o
objetivo é derrubar a cláusula de barreira para que tudo continue como está: um
aventureiro qualquer cria um partido que, aprovado, ganha tempo de TV, dinheiro
do fundo eleitoral e partidário etc.
Na
verdade, tudo pode piorar. Ao lado do fim da barreira está a proposta do
“distritão”, dentre todos os sistemas de escolha possivelmente o pior já
inventado, pois favorece figuras populares, de alta visibilidade, que seriam
bons de voto (como o palhaço Tiririca ou jogadores de futebol) em detrimento de
quadros partidários e dos próprios partidos. A PEC muda prazos de mandatos,
proíbe reeleição e muitas coisas mais - constam do texto para discussão, que
ainda poderá ser piorado ao longo do tempo.
A
Justiça Eleitoral será enquadrada na discussão do Código de Processo Eleitoral,
que vedará que ela faça mudanças nas normas das eleições sem que sejam
aprovadas pelo Congresso. Um dos pontos centrais é a volta das coligações nos
pleitos proporcionais - já extinta na eleição de 2020 -, um esquema fajuto em
que o eleitor vota em um candidato e elege junto outro que pensa o contrário.
O futuro desenhado pelos partidos do Centrão é ampliar os privilégios dos parlamentares e assegurar sua reprodução. Partidos ameaçados de extinção são aliados do PP de Lira, como Patriota e Avante. Mas o fim da cláusula de barreira não atende aos interesses dos grandes partidos, que também têm restrições ao “distritão”. Muita coisa pode mudar, mas a intenção desse amálgama de partidos oportunistas e sem programa é assegurar um ambiente onde possam continuar sendo indispensáveis ao apoio parlamentar de qualquer governo para obter vantagens várias - nem todas lícitas.
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