Bolsonaro
se comprometeu com obrigações com as quais agora está se omitindo
Você
deceparia seu dedo mindinho para curar a enxaqueca de 5 milhões de pessoas na
Ásia? E se for para salvar a vida de cinco desconhecidos em sua cidade? E para
salvar seu filho?
Essa
incomensurabilidade das dores (e dos prazeres) é um dos problemas que assombram
o utilitarismo em particular e as éticas consequencialistas em geral. O fato de
a dificuldade ser real não implica que não existam situações concretas em que a
solução é óbvia. Todos, afinal, reprovamos a atitude do campeão de natação que
deixa de resgatar uma criança que se afoga apenas para não estragar seu par de
sapatos novos.
Faço essas considerações a propósito da imposição/retirada de restrições na epidemia de Covid-19. Embora não chancele, compreendo a posição do dono de restaurante prestes a falir que se insurge contra um "lockdown". Ele está, "mutatis mutandis", na situação do sujeito que pode salvar desconhecidos cortando o próprio dedo. Fazê-lo é a coisa certa, mas não obrigatória.
Eu não sei se mandaria o nadador para a cadeia. O que esse indivíduo fez merece vívida condenação moral, mas ele em nenhum momento assumiu o compromisso de zelar pelos outros. Já Bolsonaro, quando aceitou a Presidência, se comprometeu com obrigações constitucionais e legais em relação às quais está agora se omitindo. E, pior, nem tem a desculpa de que não quer sujar os sapatos.
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