Já
entravada por um risco fiscal proibitivamente alto, equipe econômica terá de
lidar com o risco de uma guinada populista inequívoca
Não é de hoje que o País anda sobressaltado com a possibilidade de Bolsonaro rasgar a fantasia e abandonar de vez seu suposto compromisso com uma agenda de política econômica liberal.
Em
janeiro, houve a tentativa de demissão do presidente do Banco do
Brasil, por ter anunciado redução no quadro de funcionários da
instituição. A escalada mais recente, da demissão do presidente da Petrobrás,
por insensibilidade pelos interesses dos caminhoneiros, configurou episódio bem
mais grave.
Como
interpretar a súbita disposição de Bolsonaro de se mostrar tão mais truculento
no problemático cabo de guerra que, há tempos, vem travando com Paulo Guedes e
sua equipe? Em que medida tudo isso levanta incerteza sobre a condução da
política econômica no País?
Não há como se agarrar ao autoengano. O episódio deixa mais do que clara a extensão do esgarçamento na complexa relação de Bolsonaro com seu ministro. É inegável que houve constrangedora perda de face de Paulo Guedes e sério comprometimento de sua credibilidade. E, sobretudo, de sua capacidade de articulação, tanto dentro do governo como com o Congresso.
A
demissão caiu como uma ducha de água fria no ambiente de negócios no País.
Trouxe desestímulo a investimentos relacionados a privatizações e concessões,
em que Guedes vinha fazendo muita fé. Um clima de desalento que se fará sentir
tanto no timing como no vigor da tão aguardada retomada da economia. Já
entravada por um risco fiscal proibitivamente alto, a economia terá de lidar
agora com o risco cada vez mais palpável de uma guinada populista inequívoca.
O
que terá feito Bolsonaro, de repente, partir para tamanha truculência, botando
em risco sua relação com Guedes? Em se tratando de quem é, não se pode
descartar, claro, a possibilidade de que tenha sido só mais uma decisão
desajuizada da qual o presidente já esteja arrependido, mas, como sempre, incapaz
de recuar.
Na
verdade, o movimento parece ter tido motivação mais fundamentada. Por difícil
que seja tentar racionalizar o comportamento de Jair Bolsonaro, vale a pena
especular sobre o que o terá movido. A resposta mais óbvia tem a ver com sua
crescente apreensão com a provável evolução de sua popularidade nos 19 meses de
travessia que ainda tem pela frente, até a eleição presidencial de outubro de
2022.
Na
esteira do recrudescimento da pandemia, do surgimento de novas cepas do vírus e
da ineficácia das ações do governo na Saúde, o País parece fadado a continuar
enredado no combate à covid-19 por
muitos meses mais. O que deverá retardar a recuperação da economia para o
segundo semestre, na melhor das hipóteses.
Sobram
sinais de crescente indignação da população com o deplorável avanço da
vacinação. Impactado pelas cenas macabras de Manaus, Bolsonaro, afinal, se deu
conta de como o agravamento da pandemia, antes da vacinação, poderá lhe ser
desastroso.
Ao
continuar se gabando em público de jamais se ter equivocado quanto à pandemia –
“não errei nenhuma” –, o presidente parece, de fato, alucinado. Mas a verdade é
que Bolsonaro não cospe para cima nem rasga dinheiro. É perfeitamente capaz de
perceber as reais proporções das barbaridades que se permitiu cometer diante do
avanço da pandemia e teme, a cada dia, quão oneroso tudo isso ainda lhe poderá
ser. Não sabe por quanto tempo poderá continuar a confiar no Centrão para
se esquivar da conta que acabará lhe sendo apresentada.
Além
dessa espada sobre sua cabeça, o que o presidente agora entrevê são muitos
meses mais de pandemia e uma recuperação cada vez mais tardia e menos
convincente da economia, fadada a deixar a taxa de desemprego ainda
assustadoramente alta no seu último ano de mandato.
Não
chega a ser surpreendente que, alarmado com essa perspectiva, Bolsonaro tenha
decidido, afinal, “entrar (para valer) na política econômica”. Já não esconde
de ninguém que quer conduzir a seu modo sua difícil travessia até as eleições.
“Se tiver de errar, quero pagar pelos meus erros.”
O
que mais estará disposto a fazer, se sua queda de popularidade persistir?
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-RIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário