Apoio
internacional é arma para se esquivar de mazelas
Em
uma charge do jornal suíço “Neue Zürcher Zeitung”, publicação que está longe de
ser de esquerda, o presidente Jair Bolsonaro foi retratado dentro de uma
escavadeira, derrubando uma árvore. Atrás do presidente, em um gigantesca
escavadeira vermelha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se para
remover o rival, enquanto um pequenino tucano revoa apavorado.
Nesta
semana, o francês “Le Monde” publicou um extenso material em que busca
demonstrar que a Operação Lava-Jato foi muito influenciada por integrantes do
governo e da Justiça dos Estados Unidos.
Em conversa por WhatsApp com o jornalista John Lee Anderson, da “New Yorker”, publicada dia 13, Lula pontificou: “É preciso que os países ricos esqueçam as divergências para discutir a produção de vacinas e a vacinação de todos”. Ao falar com o espanhol “El País”, no mês passado, abusou da soberba. “A Europa desapareceu na política. Tudo são comissões. Comissão para isto, comissão para aquilo... todos uns burocratas”, e arrematou: “Sejamos sinceros, meu tempo foi o melhor momento da América Latina desde Colombo”.
Se
no Brasil o ex-presidente até o momento evitou conversar com veículos de
imprensa de expressão nacional, salvo quando as entrevistas são conduzidas por
jornalistas com quem tem afinidade pessoal no momento, no exterior o petista
tem se sentido à vontade para falar, mesmo quando é contestado de modo mais
contundente, como foi o caso de sua entrevista para a portuguesa “RTP” ou a
italiana “Tg2 Post”. Na última, chegou a fazer um mea culpa, algo muito raro,
por não ter extraditado o terrorista Cesare Battisti. O episódio faz com que
sua imagem na Itália seja pior do que a que desfruta em outros países. Sobre
Battisti, ele disse que se surpreendeu com a delação do italiano. “Mi sono
sbagliato” [eu estava errado] disse Lula, na tradução livre feita por portais
daquele país.
As
entrevistas de Lula lá fora são semeaduras em um terreno já arado e adubado faz
tempo. Um paciente trabalho de cultivo de relações fez com que o ex-presidente
tenha vencido no exterior a disputa de narrativa com os artífices da Lava-Jato.
O relato que prevalece é que a principal liderança de oposição ao atual
presidente brasileiro foi alvo de perseguição judicial e política. Ele não é
visto como o presidente em cujo governo se desenvolveu o maior esquema de
corrupção conhecido no planeta.
Sua
tarefa é ainda mais facilitada pelo fato de o Brasil ter um presidente como
Bolsonaro. Segundo levantamento feito pela consultora política Olga Curado, com
apoio da Universidade Federal de São Carlos, um grupo de sete publicações (“New
York Times”, “Le Monde”, “El País”, “Der Spiegel”, “The Guardian”, “Economist”
e “Washington Post”) editaram 1.179 matérias sobre o Brasil. Destas, 92%
ressaltando aspectos negativos do país.
Em
52% dos casos, eram matérias sobre erros de gestão de Bolsonaro na condução da
pandemia. Em 23% das situações, notícias sobre a fragilidade das instituições,
em função de atos e palavras do presidente. Foi a tal personagem, com este tipo
de imagem no exterior, que Sergio Moro serviu como ministro por um ano e meio.
Não há como a Lava-Jato ser vista de maneira positiva no âmbito internacional,
já que a sua consequência política concreta se chama Jair Messias Bolsonaro.
Isso
contribui para que o ex-presidente se esquive de responder pelas mazelas de sua
gestão e do governo da sua sucessora. Mais: ele se apresenta de volta ao
cenário pautando o debate que lhe interessa.
É
evidente que o brasileiro médio pouco se importa com a imprensa internacional e
provavelmente nunca leu nada sobre o Brasil apresentado a estrangeiros. Mas
Olga Curado ressalta que para o público doméstico a cobertura internacional de
Lula serve como um reforço de argumento àqueles que já têm simpatia pelo
presidente.
No
imaginário de certos públicos, a grande mídia nacional carece da credibilidade
que possui a mídia estrangeira, supostamente não envolvida com as
circunstâncias domésticas. São validadores. Auditores independentes, por assim
dizer.
Se
os bolsonaristas lançam mão de blogueiros para responder ao noticiário
negativo, Lula prefere dar recados em inglês, francês, espanhol ou italiano do
que se submeter ao escrutínio da grande imprensa nacional.
O
prestígio internacional de Lula é escorado no passado. Estão com ele
ex-mandatários que foram seus contemporâneos, como o francês Nicolas Sarkozy e
o espanhol José Luis Zapatero, o paraguaio Fernando Lugo, o equatoriano Rafael
Correa e o panamenho Martín Torrijos. Os quatro últimos reunidos no Grupo de
Puebla, que soltaram no mês passado uma nota definindo a decisão do ministro
Luiz Edson Fachin em anular as sentenças de Curitiba como “um sopro de
esperança no restabelecimento do devido processo legal”.
Mas
Lula também tem seus aliados do presente. Ter sido recebido pelo papa Francisco
não é trivial. E um conterrâneo, do pontífice, o presidente argentino Alberto
Fernández soltou no dia 11 uma série de tuítes que, caso fossem de autoria de
um general brasileiro, provocariam de certo uma crise com o Supremo, uma vez
que publicados na antevéspera de um julgamento na corte.
“Vemos
com preocupação que pretende reiniciar-se a perseguição a Lula utilizando as
mesmas más práticas já usadas”, afirmou o argentino. “Dar marcha a ré na
decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal por pressões midiáticas e
políticas significaria um retrocesso institucional para o Brasil e um dano
incalculável para os que reivindicam o Estado de Direito como base de
sustentação à democracia”.
Correntes como esta para Lula são importantes porque há uma possibilidade de que ele se torne em 2022 um candidato a presidente que polarize com Bolsonaro tendo que se defender na Justiça de modo constante. O julgamento de ontem no STF, em que venceu por 8 a 3, em nada indica vida tranquila. O voto de Fux, por exemplo, sugere que a suspeição de Moro não é tema pacificado. Pode fazer uma campanha em meio a petições, liminares, alegações iniciais, alegações finais, sustentações orais, pronúncias, agravos, quem sabe sentenças em primeira instância. O petista precisará usar a vitimização como uma estratégia perene.
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