sexta-feira, 16 de abril de 2021

Ricardo Noblat - Um presidente assombrado pelo fantasma do impeachment

- Blog do Noblat / Veja

Bolsonaro impõe condições a Deus para deixar a presidência

Se não bastassem os problemas que ele mesmo cria em volume considerável, além dos naturais que costumam afligir qualquer governante, o presidente Jair Bolsonaro ganhou mais um de bom tamanho que certamente lhe subtrairá o sono até que se resolva.

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu um prazo de cinco dias para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explique por que não aceitou até agora nenhum dos pedidos de processo de impeachment contra Bolsonaro.

São mais de 60 pedidos que repousam numa gaveta desde quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) era o presidente da Câmara. Outros quatros foram arquivados pelo não cumprimento de formalidades. Maia sempre disse que não era a hora de examiná-los.

Lira, eleito presidente da Câmara contra a vontade de Maia, pensa a mesma coisa. A seu juízo, e por falta de conveniência no momento, o melhor é que fiquem adormecidos. A acordarem, só quando o governo estiver caindo pela tabela, o que ainda não está.

Foi por pensar nessa mesma linha que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, havia deixado sem resposta o pedido de instalação da CPI da Covid, um direito da minoria parlamentar reconhecido pela Constituição.

Até que, na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso mandou que a CPI fosse instalada. O plenário do Supremo confirmou a ordem de Barroso. O requerimento de instalação foi lido em sessão do Senado, e indicados os 11 membros da CPI.

Há, de fato, um vácuo na legislação sobre o impeachment. Não cabe ao presidente da Câmara arquivar pedidos a seu gosto, mas não há prazo para que delibere a respeito. Se arquivar, abre brecha para que um recurso seja interposto e o plenário consultado.

O vácuo na legislação poderá ser preenchido se Cármen Lúcia determinar o exame dos pedidos de impeachment acumulados. É isso o que teme Bolsonaro e que o fez reagir na live semanal das quintas-feiras nas redes sociais. Bravateou:

– Eu não quero me antecipar e falar o que acho sobre isso, mas digo uma coisa: só Deus me tira da cadeira presidencial e me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar. Mas não vai mesmo.

Como cristão fervoroso que fez questão de se batizar nas águas do rio Jordão, Bolsonaro está cansado de saber que Deus concedeu ao homem o livre arbítrio. Pode observar tudo à distância segura, mas não se mete. Bolsonaro cairá ou não independente dele.

A frase “só Deus me tira da cadeira presidencial” é nada. Impor a Deus a condição de só tirá-lo da presidência tirando antes sua vida é escárnio com Deus. Bolsonaro não foi esfaqueado porque Deus deixou, nem Getúlio Vargas suicidou-se porque Deus quis.

Bolsonaro sente que o cerco se estreita em torno dele, e que talvez não se reeleja no ano que vem. É difícil, mas já não é mais impossível que seu mandato acabe abreviado. A culpa, a máxima culpa será sua, somente sua, e de mais ninguém.

Escaldado, Bolsonaro oscila no uso de pronomes sobre o Exército

Uma medida das dificuldades que ele enfrenta

O presidente Jair Bolsonaro pode não saber, ou porque faltou à aula ou porque nunca leu um livro como confessou, mas pronomes são palavras que acompanham os substantivos podendo substituí-los (direta ou indiretamente), retomá-los ou se referir a eles.

No momento, ele está às voltas com pronomes possessivos para designar o Exército ou as Forças Armadas. O que lhe causará menos problemas? Referir-se ao Exército como “meu Exército”? Ou como “nosso Exército”? Ou ainda como o “seu Exército”?

Há poucas semanas, ao demitir o ministro da Defesa, um general, e forçar a saída dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, ele chamou o Exército de “meu Exército”. Apanhou muito por isso e detonou uma crise militar.

Mais recentemente, valeu-se da expressão “nosso Exército”, mas ainda assim causou desconfiança. Ontem, finalmente, em discurso de passagem do comando militar do Sudeste,  em São Paulo, evoluiu para “seu Exército”, como se nada tivesse a ver com ele.

Como presidente da República, quer se goste disso ou não, ele é o comandante das Forças Armadas, apesar de ter sido afastado do Exército por indisciplina e má conduta ética nos anos 1980. Chegou a planejar atentados terroristas a quartéis.

Cobrou dos novos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica que o tratem como “Supremo Comandante das Forças Armadas”. Só o comandante da Aeronáutica, um brigadeiro bolsonarista, já o fez.

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