O
jantar dado ao presidente por minúsculo grupo de empresários, deu indicação de que são daqueles
que estão longe dos fatores históricos da ética capitalista clássica
O
envolvimento do empresariado brasileiro na política partidária e seu alinhamento
com políticas antidemocráticas é um dos indícios de um capitalismo fragilizado.
Fragilizado pela incompetência oportunista para assumir a verdadeira missão
histórica dos empresários, que eles a têm, embora nem sempre tenham consciência
disso.
Já
no século XIX, a sociologia demonstrava que o verdadeiro capitalista é um
funcionário do capital, que é produto de trabalho social, capital que manda
nele. Se o empresário se mete a fazer com o capital o que não é propriamente
capitalista, como vem acontecendo no Brasil, cria problemas sociais e políticos
para todos e problemas econômicos para si mesmo. Corre o risco de virar esmoler
do Estado, bajulador de governo. Corre o risco de ter que vender a alma ao
poder.
O jantar dado ao presidente, recentemente, por minúsculo grupo de empresários, deu indicações de que são daqueles que estão longe dos fatores espirituais e históricos da ética capitalista clássica. No menu, palavrões, bajulação, oportunismo e o aplauso eleitoreiro a um governante que governa à beira do abismo do interesse público.
Bruna
Narcizo, da “Folha de S. Paulo”, ressaltou a diferenciação no interior do nosso
empresariado. Estiveram presentes 18 empresários, irrelevantes ou adesistas,
segundo definição de um empresário que não participou do jantar. Eram do polo
oposto aos do manifesto dos 500 empresários, economistas e banqueiros que
enxergam irracionalidade e imprudência na atitude do governo em face da
pandemia. No confronto, o primado do social na orientação destes contra o
primado do partidário na daqueles.
Esse
desencontro reflete os atrasos do capitalismo brasileiro, marcado por
deformações e ineficiências que lhe são peculiares. Uma delas a crônica
insuficiência de competência política dos empresários para compreender que o
poder não é do presidente, mas da sociedade, da qual fazem parte. Cujo âmbito,
portanto, pressupõe que as negociações políticas de quem quer que seja devem
ser com a sociedade civil, no interesse de todos e não só no interesse de
alguns. O comportamento político do empresário brasileiro se não se dirige para
a estatização da economia, a tem governabilizado na prática, a pior modalidade
de estatização.
Todo
o capitalismo tem seus triunfos e seus fracassos. O brasileiro os tem mais do
que os do modelo clássico. Nele, a história de nosso empresariado não é uma
história de êxitos econômicos seguros e certos. Em numerosos casos é uma
história de adversidades, evidenciadas nas decretações de falências e de
concordatas. Êxitos espetaculares existem, mas praticamente são exceções.
A
falta de uma consciência dessa história explica as opções partidárias e não
políticas do empresariado. Revela que não foi ele socializado no marco de
valores democráticos e propriamente empresariais para personificar o capital.
Muitos são mais negociantes do que empresários. Aqueles sabem ganhar. Estes
sabem também criar, inovar e transformar empresarial e socialmente.
É
pena que não tenhamos no Brasil a pesquisa e o estudo sistemáticos das
histórias de fracassos empresariais, suas causas e seus fatores. E de seus
êxitos notáveis. Não temos nem mesmo projetos universitários permanentes de
estudo da dinâmica do capital e suas repercussões na história do empresariado e
da sociedade. A própria Fiesp não demonstra interesse pela memória histórica do
empresariado nem pela compreensão de suas crises e de seus erros.
O
capitalismo brasileiro atual poderia ser uma referência para o estudo do que é
um modelo econômico de fragilização progressiva do empresariado e de
capitalismo autodestrutivo. Mesmo quem tem sobrevivido está à margem do modelo
dos casos clássicos.
Desenvolveu-se
aqui um capitalismo que não tem marcas indeléveis, como tem o europeu, de uma
ética da acumulação. Isso não quer dizer que esse seja um traço cultural comum
a todos os empresários. Temos empresários que se notabilizam por uma admirável
ética do compromisso público do capital. Mas são eles exceções.
O
empresariado brasileiro, como protagonista de inovações históricas que
desenvolvam e transformem o capitalismo brasileiro, e façam do Brasil um país
de trabalhadores e não de desempregados, de miseráveis e de famintos, vem
encolhendo desde os anos 1960.
Desde
1964, foi cooptado pela geopolítica do regime militar, uma geopolítica
antibrasileira, cujo extremo foi o carneirismo do governo Bolsonaro em relação
ao mais antissocial governo americano, o de Trump.
O
empresariado daqui, de protagonista que era, tornou-se mero ator de um roteiro
que não é seu. Tornou-se ator e deixou de ser autor de seu destino e do destino
do país.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de “Moleque de Fábrica” (Ateliê).
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