sexta-feira, 16 de abril de 2021

Claudia Safatle - O impasse no Orçamento

- Valor Econômico

Inflação em alta melhora as contas do ano que vem

Em uma rápida olhada nas contas do Orçamento para este ano é possível encontrar receitas que poderiam ser realocadas. Um exemplo é o Bolsa Família, orçado em R$ 34,8 bilhões, sendo que em 2020 o gasto foi de 19 bilhões, e de R$ 33 bilhões em 2019. Acontece que neste exercício por quatro meses o Bolsa Família será financiado com parte dos R$ 44 bilhões destinados ao auxílio emergencial.

Feitas as contas, estariam sobrando cerca de R$ 15 bilhões no orçamento do programa, segundo fontes. Uma verba que, suspeita-se, seria destinada a colocar em pé um programa social de renda mínima com o selo de Jair Bolsonaro, no segundo semestre do ano, para lhe dar melhores condições de disputar a reeleição.

É uma lástima, aliás, ver o que está acontecendo com o Bolsa Família, referência de programa de transferência de renda para os mais pobres, que está sendo objeto de desmonte.

Outra receita se refere à reserva de contingência, estimada em R$ 16 bilhões. Só em duas rubricas do Orçamento é possível, portanto, encontrar cerca de R$ 31 bilhões que poderiam entrar nas contas, aliviando as pressões sobre gastos obrigatórios e sobre as emendas parlamentares.

A lei do Orçamento foi aprovada em março, pelo Congresso, com despesas obrigatórias subestimadas em cerca de R$ 20 bilhões, para acomodar o aumento de emendas parlamentares. Uma artimanha que tornou o Orçamento uma peça de ficção e que o presidente Bolsonaro não quer sancionar, por receio de incorrer em crime de responsabilidade e posterior processo de impeachment.

O Orçamento, tal como aprovado pelo Congresso, está em um impasse e nos últimos dias as negociações entre o Parlamento e a área econômica têm sido tensas. O presidente da Câmara, Artur Lira (Progressista-AL), não concorda com vetos nem cortes nas emendas parlamentares.

Lira apresentou como solução para o impasse a sanção total do Orçamento, seguida do envio de um projeto de lei (PLN) para corrigir os eventuais excessos das emendas parlamentares acatadas pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC). No projeto seriam refeitos, também, os prognósticos de gastos obrigatórios que foram subestimados, seja da Previdência Social, seja do seguro-desemprego, dentre outros.

Se o Orçamento deste ano está justo, o do próximo exercício terá folga maior. Isso porque a inflação que será parâmetro para a confecção do projeto de lei do orçamento, do meio do ano, estará na casa de 8%. Uma taxa de inflação desse porte dá ao Orçamento cerca de R$ 111 bilhões a mais de receitas (ver mais na reportagem Inflação em alta “alivia” Orçamento de 2022 e amplia teto em R$ 106 bi).

Há falta de senso de urgência entre os atores envolvidos na discussão do Orçamento. As empresas estão desde janeiro sem a menor atenção do governo, que promete a reedição de linhas de créditos como as do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Benefício Emergencial para Preservação do Emprego e da Renda (BEm), medidas implementadas no ano passado para socorrer empresas sob o impacto da pandemia de covid-19. Para isso, no entanto, é preciso assegurar recursos no Orçamento da União para fazer frente ao fundo de garantia de crédito.

Por meio do BEm, as empresas fizeram acordos de redução de jornada e salário ou de suspensão de contratos de trabalho, garantindo ao trabalhador uma porcentagem do seguro-desemprego a que teria direito se fosse demitido. O benefício foi pago com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e, segundo dados do governo, o programa preservou o emprego e a renda de cerca de 10,2 milhões de trabalhadores, bem como a existência de 1,5 milhão de empresas.

Já o Pronampe, que deve se tornar permanente, é uma linha de crédito destinada a ajudar os pequenos negócios e manter empregos durante a pandemia. As empresas beneficiadas assumiram o compromisso de preservar o número de funcionários e puderam utilizar os recursos para financiar a atividade empresarial, como investimentos e capital de giro. Segundo informações oficiais, o programa gerou em torno de R$ 37 bilhões em financiamentos para quase 520 mil micro e pequenas empresas.

O fôlego das empresas do setor privado, sobretudo das pequenas e médias, está curto, muito curto, e o país está em uma situação de guerra contra uma doença persistente que só faz aumentar o número de óbitos.

Não é necessária uma crise em torno do Orçamento deste ano, criada e alimentada pelo Parlamento e pelo Executivo, em que parece que ambos vão se afogar em um copo de água.

Nenhum comentário: