O Globo
As próximas eleições não estarão entre as
mais importantes da nossa história só porque se darão num ambiente político
radicalizado, em meio a uma grave crise econômica. E a escolha a ser feita até
outubro não será "apenas" a do melhor presidente para o Brasil. Tão
ou mais decisiva será outra escolha a ser feita diariamente: a opção entre o
fato e a narrativa.
A própria definição do que é fato já
complica a discussão, uma vez que existem diversas maneiras de descrever um
mesmo acontecimento. Há diferentes formas de avaliar a eficácia de um plano de
governo, assim como não há um único modo de encarar o aborto, o casamento ou a
religião.
Mas é justamente para que essas visões estejam contempladas, no mosaico mais fiel possível do Brasil, que precisamos da liberdade de imprensa.
Numa disputa ultra radicalizada, em que
cada lado se julga o detentor do bom e do justo contra o corrupto e o infiel, é
preciso que alguém se encarregue de mostrar que a realidade é complexa, que o
mundo é em si contraditório, e que nenhuma democracia fica de pé quando uma
visão elimina a outra — seja por via golpista ou "apenas"
autoritária, calando o diferente.
Essa é a missão do jornalismo, que será
desafiado como nunca nesta quadra eleitoral.
Quem protesta estridentemente nas redes
sociais que "isso a mídia não mostra" em geral esquece que só achou a
informação que quer ver divulgada na mesma mídia que ataca. Quem coloca no
mesmo balaio todos os veículos, ignorando a multiplicidade de vozes e de
plataformas, ou parou no tempo ou está de má fé.
É importante refletir sobre isso num dia
como hoje. O jornalismo, como qualquer atividade profissional, está cheio de
defeitos, e a crítica está aí para apontá-los. Ela é necessária, faz parte do
debate público. Já o vilipêndio leviano é parte da cartilha dos autoritários de
diferentes matizes ideológicas.
O perigo é que, em meio a tanto grito e
ruído, haja cada vez menos gente disposta a dizer o óbvio: que nenhuma escolha
será saudável se deixar pelo caminho a liberdade de imprensa. Viver num mundo
em que só a sua visão predomina não liberta. Oprime.
O historiador Timothy Snyder resumiu o
dilema em seu livro "Sobre a tirania": "Abandonar os fatos é
abandonar a própria liberdade. Se nada for feito, ninguém poderá criticar o
poder, porque não haverá uma base para fazê-lo. Se nada for verdadeiro, tudo é
espetáculo. A carteira mais recheada garante a pirotecnia mais ofuscante."
Que neste dia da liberdade de imprensa
possamos ver para além da pirotecnia e firmar um compromisso perene não com uma
ideologia específica, e sim com a bandeira sob a qual cabem todas elas:
proteger a própria democracia.
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