Folha de S. Paulo
Tyche nos sorriu, porque nossa alternância
veio em quatro, não em oito anos
Týche é a divindade grega que representa a
fortuna, o acaso. Não há nada que assuste mais humanos do que o acaso. Embora
ele seja uma força decisiva em nosso Universo, que teria até mesmo surgido a
partir de flutuações quânticas aleatórias, nós nos esforçamos para negá-lo,
obstinando-nos em ações fúteis, inventando deuses e repetindo mantras absurdos
como "nada acontece por acaso".
Há uma explicação evolutiva para isso. Apesar de o acaso ser importante, ele não é tudo. Se você se render ao fatalismo e nem tentar sair de uma situação difícil, aí é que não sairá mesmo. Como a natureza valoriza mais a sobrevivência do que a elegância de não pagar micos, ela nos calibrou para negligenciar o acaso e superestimar nossa agência.
E, se há uma seara na qual ele é com
frequência ignorado, é a política. Tendemos a vê-la, não sem uma ponta de
razão, como o palco mesmo da agência humana. Mas há um problema de
"timing". Para um país prosperar, precisa adotar políticas econômicas
sensatas. Os resultados, contudo, costumam demorar mais do que os quatro anos
de um mandato. Assim, com frequência o que vemos é um governante colhendo os
frutos das políticas de seu antecessor e plantando o desempenho do sucessor.
Isso, é claro, se caprichos do acaso, que podem assumir a forma de pandemias,
guerras, catástrofes naturais etc., não subverterem tudo.
Jair Bolsonaro tenta desesperadamente
medidas para reduzir alguns preços-chave da economia, notadamente os
dos combustíveis. Até pode ter sucesso numa ou noutra manobra, mas é pouco
provável que reverta o mal-estar generalizado provocado pela inflação, que é
robusta, difusa e eleitoralmente tóxica.
Democracias têm um forte viés situacionista, mas isso não chega a ser um problema, porque o acaso sempre traz uma crise econômica que providencia a alternância no poder. Týche nos sorriu, porque a nossa veio em quatro, não em oito anos.
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