Valor Econômico
Sem combate ao racismo, reformas nunca serão definitivas
Não é verdadeira a afirmação de que o
Brasil é um país que não faz reformas. Este diagnóstico não pode ser aplicado
sequer aos 21 anos em que vivemos sob um regime ditatorial. É falsa também a
ideia de que deputados e senadores, eleitos pelo povo, são obstáculo à aprovação
de reformas institucionais.
O Brasil, de fato, deitou-se, preguiçoso, em berço esplêndido desde a invasão europeia, em 1500. O que foi determinante para a letargia deste território, o quinto maior do planeta, riquíssimo em recursos naturais e habitado por uma das maiores populações, fator importante para o desenvolvimento de uma economia?
Não tenhamos dúvida: o modelo econômico,
amparado no trabalho de indígenas nativos do país e de africanos escravizados e
responsável pelo florescimento comercial da então colônia portuguesa, condenou
de morte qualquer projeto de nação que se projetasse para este enorme canto do
mundo. Os indígenas foram escravos durante 150 anos. Seus algozes demoraram todo
esse tempo para constatar que eles não se adequavam ao trabalho nas lavouras de
cana-de-açúcar porque, durante séculos, talvez, milênios, jamais recorreram à
produção contínua porque, para eles, não havia sentido.
O extrativismo e a pesca eram as principais
formas de trabalho, e estas não exigem dedicação diária, ao contrário da
agricultura. Vem daí uma das mistificações mais cruéis da triste história deste
país - a de que os povos indígenas do Brasil são preguiçosos.
Quando nos lembramos que convivemos com
essa ignomínia por quase quatro séculos, 93% da nossa história desde a chegada
do navegador português Pedro Álvares Cabral, fica bastante fácil entender a
principal razão do nosso fracasso como nação. Como a abolição da escravidão não
foi aceita pelas oligarquias rurais, a situação de apartheid da população negra
foi mantida por meio de ardis como permitir que os ex-escravos pudessem estudar
em escolas construídas a uma enorme distância de onde eles moravam.
Os oligarcas ficaram tão furiosos com a
perda de “patrimônio” (os africanos escravizados e vendidos como mercadoria
durante quase 400 anos) que imediatamente exigiram do então governo monárquico
compensação financeira. Em seguida, conspiraram com os militares para derrubar
o imperador Dom Pedro II, instituir uma República e forçar os novos governantes
a criar incentivos para atrair imigrantes do Japão e da Europa. No caso dos
europeus, o objetivo declarado foi o de “embranquecer” a força de trabalho,
dominada pelos negros.
Como poderia dar certo uma República no
ódio a uma população sequestrada em seu país e que, portanto, não veio para cá
por decisão própria. A escravidão e a tentativa das elites de convencer os
brasileiros de que somos uma democracia racial amaldiçoaram o Brasil.
A longeva escravidão consagrou neste país a
ideia de que existem cidadãos de duas classes, sendo que a mais numerosa, os
negros, são uma categoria inferior, destinada a sempre exercer funções
sucedâneas. O caso da família brasileira, de classe média alta, denunciada nos
Estados Unidos por não pagar salário à empregada, negra, que eles levaram do
Brasil mostra a mentalidade, no que diz respeito às relações sociais
predominantes.
O racismo contra os negros, mais do que o
manifestado a minorias como os indígenas, era e será a principal característica
nacional por muito tempo ainda ou mesmo para sempre, como constatou, frustrado,
o abolicionista Joaquim Nabuco. Em discurso proferido no Congresso Nacional,
Nabuco lamentou profundamente o atraso do Brasil em eliminar aquela
barbaridade.
O país foi o último das Américas a abolir a
escravidão. Diz-se que Dom Pedro II desejou fazer isso bem antes de maio de
1888. O problema é que os produtores rurais ameaçavam pegar em armas para
defender o regime escravocrata, a prova definitiva de que a sociedade humana é
fundada no ódio ao outro, se é que ainda havia necessidade de se provar
qualquer coisa. O Brasil avançou em algumas questões referentes à reparação da
população negro pelos males impingidos a eles durante a escravidão e mesmo
depois. O sistema de cotas nas universidades públicas estão uma verdadeira
revolução na formação universitária dos negros e pobres no Brasil. Nada mais
apropriado, as universidades são públicas, portanto, no país de maior
desigualdade de renda, elas deveriam funcionar desde sempre como uma forma, por
meio da educação, de reduzir essa distância.
Um comentário:
Darcy Ribeiro também descreveu esta realidade, mas era mais otimista com nosso futuro... Conheceu os indígenas como poucos, e defendeu nossa Educação acima de tudo! Quando vemos o ministério da DESeducação de Bolsonaro fazer uma atrocidade depois da outra, quando vemos um canalha suceder outro canalha neste ministério (Abraham Weintraub, pastor Milton Ribeiro, Decotelli e outros criminosos), temos certeza que a intenção do GENOCIDA sempre foi a de DESTRUIR o que dezenas de gerações de educadores (como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Cristovam Buarque, etc.) tanto lutaram para estabelecer no nosso país.
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